Este website utiliza cookies
Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência, otimizar as funcionalidades do site e obter estatísticas de visita. Saiba mais
SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO
(81) 3131.6350 - sindsep@sindsep-pe.com.br
Entrevista com JACKELINE NATAL Supervisora técnica do Dieese
Publicado: 16/01/2024
O Brasil está vivendo uma grande retomada na economia com geração de empregos, controle da inflação, queda nos preços dos produtos e recuperação do poder aquisitivo da classe trabalhadora. Apesar das dificuldades em lidar com um Congresso conservador e de direita, em sua maioria, o governo Lula tem aprovado uma série de projetos importantes para o país.
Entre os temas discutidos estão a Reforma Tributária, o projeto de lei das apostas esportivas, o projeto de lei que taxa os super-ricos e a nova lei dos seguros. Grande parte do que vem sendo aprovado tem por objetivo fazer com que o governo passe a arrecadar mais para equilibrar as finanças e possibilitar novos investimentos.
Por outro lado, a busca por equilíbrio fiscal não pode resultar no sacrifício de investimentos públicos fundamentais para a retomada do crescimento econômico do país. Não existe país desenvolvido no mundo que trabalhe com ideia de déficit zero.
A taxa Selic elevada reflete nas taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras no crédito, o que prejudica o investimento produtivo, atrapalha a economia, favorece o desemprego e encarece a vida de todos os brasileiros. Há quem diga que o Brasil é um país refém da autonomia do Banco Central.
Os últimos acontecimentos colocam o Brasil em um caminho de um desenvolvimento econômico duradouro com base na produção de energia limpa e sustentável.
Para falar sobre esses assuntos, a revista Garra ouviu a economista e supervisora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Jackeline Natal.
RETOMADA ECONÔMICA
Primeiro, nunca é demais a gente lembrar que, quando o governo Lula assume, o mote do governo Lula é: unir e reconstruir. Então, a gente tem que lembrar que a gente vem de um momento muito difícil da democracia brasileira. Um momento muito difícil do ponto de vista do desempenho da economia. E o grande desafio que o governo Lula assume é como compatibilizar o equilíbrio fiscal, que era a única tônica da política econômica do governo anterior, com o crescimento econômico, com a distribuição de renda, com a responsabilidade social e ambiental para o país.
Então, é importante que a gente lembre também, nesse processo maior, que o atual governo fez uma coisa inédita no país. Antes de assumir, ele começou a negociar o orçamento que executaria em 2023.
Também não é demais lembrar que, quando o governo Lula assumiu, as contas públicas estavam um verdadeiro colapso. Foi emblemático que a gente não tivesse orçamento para a assistência social. O orçamento de custeio da assistência social perduraria por um mês. A gente não tinha orçamento para defesa civil. As políticas públicas ligadas às necessidades da sociedade a gente não tinha recursos. É emblemático dizer que, por exemplo, a Polícia Federal não tinha dinheiro para emitir passaporte até o final do ano de 2022.
Então foi um verdadeiro colapso. O governo Lula, antes de assumir, começa a negociar as condições para que ele tivesse algum nível de governabilidade do ponto de vista do orçamento. E aí vem a PEC da Transição. E como contrapartida da aprovação da PEC da transição houve a exigência de que o governo discutisse a responsabilidade fiscal através do novo Arcabouço Fiscal.
É importante dizer também que essa PEC da Transição foi o que viabilizou, minimamente, o pagamento do Bolsa Família num valor consolidado de R$ 600,00, mais alguns benefícios. Foi a PEC da Transição que permitiu, nesse primeiro ano de governo, uma valorização do salário-mínimo. E esses foram alguns dos pilares para que a economia tomasse um rumo de crescimento econômico.
Temos algumas outras medidas importantes, também do governo Lula, que seguiram no sentido de retomada dessa economia. Por exemplo, o lançamento do Desenrola Brasil. Nós viemos de um país extremamente endividado, que continua, mas é extremamente importante a solvência das famílias brasileiras para que você continue funcionando, continue com o mercado consumidor dinâmico.
Algumas coisas emblemáticas foram aprovadas, como, por exemplo, a Lei da Igualdade Salarial entre homens e mulheres e a retomada do papel estratégico das estatais no investimento público. Também tivemos o lançamento do PAC, que é um conjunto de propostas de investimento, mas que depende muito da arrecadação pública e da parceria com o setor privado.
São todos elementos que fortaleceram e que permitiram que a economia do país, que no início de 2023 tinha expectativa de crescimento pífio, de meio por cento, chegasse ao final de 2023 com expectativa de crescimento da ordem de 3%.
E O CRESCIMENTO CONTINUA?
E aí é bom que a gente ressalte o seguinte: já respondendo o que fazer para que haja uma perspectiva de continuidade, é preciso que se olhe com bastante cuidado para a questão da qualidade dos postos de trabalho gerados. Da qualidade e da remuneração. São postos gerados de baixa remuneração. E isto é pressuposto para que essa política continue, que esse crescimento econômico continue.
Então é importante que a gente olhe para esse pequeno retrospecto para que a gente possa pensar na perspectiva de continuidade. E aí pensar na perspectiva de continuidade e como dar a efetividade num estado que tem fortes restrições orçamentais. Como a gente dará continuidade à política de investimento? O PAC terá um papel estratégico. As estatais têm um papel estratégico. Como a gente faz a gestão da política monetária também. Principalmente porque no governo passado foi aprovada uma lei na qual o Banco Central tem total autonomia para definir sua política monetária.
É bom lembrar que a política monetária diz respeito a taxa de juros, que é a variável fundamental, porque é o custo do dinheiro. É o que vai definir se as pessoas que têm dinheiro e vão investir na produção ou vão investir no sistema financeiro. É o que vai definir, em certa medida, o tamanho da dívida pública brasileira. Então, isso é um desafio para o próximo ano.
Compatibilizar políticas de sustentabilidade ambiental também é um desafio para o próximo ano. Continuar com a política de valorização, que se torna permanente através da lei de valorização do salário-mínimo, também é um desafio para o próximo ano do ponto de vista das contas públicas. Mas todos são elementos que dão sustentabilidade para a continuidade dessa política.
No entanto, o que a gente observa é que, principalmente, os agentes do sistema financeiro têm colocado para o próximo ano, novamente, perspectivas pessimistas, perspectivas de crescimento muito abaixo de 2023.
Então há um desafio muito grande do governo no sentido de colocar de pé as propostas de crescimento econômico para o ano que vem. Um desafio importante, por fim, um desafio muito importante, é a política industrial. Eu queria citar isso como um elemento fundante porque, nos últimos anos, o Brasil passou por um processo de reprimarização da sua economia. Ou seja, um foco muito grande na produção e exportação de bens primários, bens com pouco valor agregado. É um processo muito forte, que não é novo, é um processo bem mais longo, de desindustrialização.
Então é um desafio muito grande para o Brasil retomar uma política de industrialização, mas com um foco diferente. Com foco numa política de industrialização que, não só aponte para o crescimento das empresas e da acumulação de lucros e dividendos dessas empresas, mas também para geração de empregos com sustentabilidade ambiental. Com respeito ao meio ambiente e que gere efeitos para a sociedade e não só para a acumulação dessas empresas.
UM PAÍS EQUILIBRADO
Bem, a eleição do governo Lula, fundamentalmente, recoloca ou renova a visão de papel do Estado na sociedade. Diferentemente do governo anterior, este governo recoloca um debate sobre a questão da responsabilidade fiscal, inclusive exigido não só pelo Congresso, mas pela sociedade, o equilíbrio fiscal, mas também a compatibilidade da política fiscal, com a política social e a política ambiental. Ou seja, é um Estado que volta a ter um papel ativo na sociedade e na economia. E não apenas de gestor de contas públicas, com foco na austeridade fiscal, que foi a tônica do último governo.
Há uma disputa clara pelo modelo de desenvolvimento econômico do Brasil. O modelo de desenvolvimento, que hoje é proposto, é um modelo que garante a expansão de direitos sociais, de preservação ambiental, de crescimento do emprego como elementos estruturantes para esse desenvolvimento nacional. E isso exige do Estado um papel diferente de apenas fazer a gestão das contas públicas, de fazer apenas o controle de gastos, que foi a tônica dos dois últimos governos no pós-golpe.
Então para que o Estado desempenhe essa função de promotor, de indutor do crescimento econômico, do desenvolvimento, propositor de políticas públicas, com essa tônica de equilíbrio social, ambiental e econômico, é necessário que ele tenha condições de sustentar o gasto público. Que ele tenha condições de sustentar as propostas de investimento.
Para isso é preciso que haja essa gestão do orçamento público. E para isso é extremamente importante que se, de um lado ele aprova uma proposta de Arcabouço Fiscal, que flexibiliza a Emenda 95, ameniza as restrições impostas pela Emenda 95, por outro lado, o governo tem aprovado algumas medidas que mexem na arrecadação pública, que mexem na receita pública.
Isso é um grande avanço do ponto de vista, inclusive, da pauta dos trabalhadores e trabalhadoras do setor público. Porque a gente vem de uma trajetória recente que olhava apenas o gasto público como um elemento de gestão. E agora nós temos um momento em que há um olhar ainda muito restritivo do gasto público, de como executar o orçamento público, mas também há um olhar que propõe o outro lado, que é o lado das receitas, de como arrecadar e de quem arrecadar.
Não é demais dizer que a Reforma Tributária, por exemplo, é um debate de mais de três décadas, no Congresso, e que tem avançado em propostas ainda timidamente. Porque a proposta que está colocada é uma proposta de organização e reorganização, fundamentalmente, da estrutura tributária brasileira. Mas uma segunda etapa, que tem sido prometida pelo governo brasileiro, vai focar mais fortemente na questão de quem paga impostos.
Então essa primeira fase é como se pagam os impostos, organizando e simplificando. Mas um segundo momento é de quem paga os impostos e aí, fundamentalmente, tem que se pensar em tentar discutir, na sociedade brasileira, uma característica da nossa estrutura tributária que é a regressividade.
No Brasil, paga mais impostos proporcionalmente quem tem menor renda. E a proposta que o governo tem discutido, tem ventilado, é que se mexa nessa estrutura. Quem paga mais impostos deve ser a parcela da sociedade que tem mais capacidade contributiva. A questão, por exemplo, ainda tímida, do aumento do teto do Imposto de Renda caminha nessa direção. A proposta de isenção de impostos sobre uma cesta básica ampliada também caminha nessa direção.
Então, é importante que essas duas pernas andem juntas. Desde a gestão do gasto, mas também a ampliação da receita. Nesse momento é extremamente importante que este governo tenha proposto uma ampliação de receitas e não só uma restrição de gastos como é da nossa história recente.
DÉFICIT ZERO PARA QUEM?
Para colocar de pé as políticas públicas que o governo Lula propõe, esse novo desenho do Estado, um país socialmente e ambientalmente mais justo, é necessário que haja uma boa gestão do orçamento público. Essa boa gestão tem sido buscada, dentro dos limites de negociação com o Congresso e com a sociedade, através da proposta do Novo Arcabouço Fiscal e da Reforma Tributária. Esse equilíbrio de contas, entre receita e despesa, tem sido atropelado por um debate, que é cercado de interesses. É o debate sobre o déficit zero.
Então é importante a gente lembrar que discutir o déficit zero, sem discutir o todo do orçamento, orçamento primário e orçamento financeiro do Estado, vai levar a um estrangulamento das políticas públicas. Então, para a gente fazer a discussão do déficit, a gente deve, necessariamente, fazer a discussão do orçamento como um todo.
Lembrando que, hoje, cerca de metade do orçamento é destinado para pagamento e rolagem da dívida pública. Ou seja, são recursos públicos arrecadados da sociedade que não dão um retorno efetivo para as políticas que mais afetam a condição de vida da grande maioria da população.
Então, como que a gente pode equilibrar essa balança? Primeiro, sair dessa cunha que estão tentando colocar de déficit zero. Na realidade, o governo, nos últimos anos, tem trabalhado com déficit orçamentário em função da frustração de receitas, em alguns momentos, e da despesa que tem crescido. Independente de corte de gastos, a despesa pública é uma despesa crescente pelo aumento do gasto da previdência, pelo aumento vegetativo de folhas, pelo aumento da necessidade da população com gastos de saúde e educação, que são historicamente sub financiados. Pelo conjunto de aumentos. Inclusive pela necessidade da própria população que passou, nos últimos anos, em uma situação muito difícil de desemprego e de redução de renda. E tudo isso demandou do estado mais recursos.
Então, quando a gente olha para esse debate de déficit zero tem que olhar para esse debate com muito cuidado, porque ele envolve interesses de quem se apropria do orçamento público. E quem defende essa política de déficit zero, principalmente no curto prazo, são os setores da sociedade que historicamente se apropriam de metade do orçamento público. E da metade que não devolve para a sociedade serviços públicos.
Como equilibrar essa balança? Primeiro a gente não pode cair nessa falácia conservadora, na verdade reacionária, de que o déficit público, nesse momento, tem que ser zerado. Nós viemos de um momento de desequilíbrio fiscal e ele vai demorar um tempo para ser ajustado. Até porque as propostas do Arcabouço e o corte de gastos são mais rápidas, mas a Reforma Tributária vai demorar um pouco para trazer seus resultados do ponto de vista da arrecadação.
Então, você deve discutir esse equilíbrio fiscal. Mas você precisa de tempo. Agora, ao longo desse tempo, você tem que garantir condições de vida e qualidade de vida para a população. É extremamente importante que a gente não caia nesse debate que parece ser fácil, mas não é. Porque quando as pessoas defendem o déficit zero, elas estão defendendo, necessariamente, corte de despesas. E esse corte de despesas não é na área financeira. É na área das políticas públicas. A gente precisa tomar muito cuidado com a pauta que nos é colocada.
BANCO CENTRAL INDEPENDENTE
Bem, o Banco Central é uma instituição fundamental na articulação da política macroeconômica do país. Tanto do ponto de vista fiscal, ao determinar as taxas de juros e, portanto, custo da dívida pública e, portanto, a parcela do orçamento público que vai ser apropriada pelo sistema financeiro, como pelo efeito que a taxa de juros tem sobre a economia.
Encarecendo o dinheiro, você piora o crédito, piora a capacidade de consumo das famílias, você aumenta o endividamento das famílias e a gente vem de um momento onde as famílias se tornaram inadimplentes e há um estrangulamento muito forte.
Também você encarece o dinheiro para o investimento. Para quem tem dinheiro, a opção de fazer investimento produtivo, com uma taxa de juros muito elevada, é proibitiva. Porque é melhor, mais vantajoso, você aplicar seu dinheiro no sistema financeiro. Não tem trabalho e tem garantido seu retorno.
Mas, voltando, o Banco Central é fundamental na gestão da política econômica. Para um novo projeto para o país que propõe crescimento econômico com distribuição de renda, o Banco Central tem jogado contra essa proposta. Isso ficou muito claro, principalmente, no início do governo Lula onde, apesar do declínio muito significativo da inflação, que tem sido a grande justificativa para legitimar uma taxa de juros alta, o Banco Central demorou muito para começar a reduzir a taxa básica de juros.
Analistas econômicos do sistema financeiro colocaram que já era hora, pouco antes de meados do ano, de começar a se pensar numa redução da taxa de juros. E havia uma posição consolidada dentro do Banco Central de que deveria se postergar, apesar de todos os indicadores de inflação apontarem para um declínio muito significativo da inflação.
Então, há um descompasso muito sério entre essa política. É por isso que a gente defende que haja uma revogação, sim, dessa independência. Porque ela confronta um projeto que é legitimado para a população, que é eleito pela população através do voto. Ela confronta a possibilidade de se executar esse projeto eleito.
Isso porque o Banco Central define, conforme as suas leituras econômicas, que nem sempre são leituras muito claras, isentas de interesses, duas variáveis que são fundamentais para que essa proposta de desenvolvimento do país se coloque adiante: a política de juros e a política de câmbio.
Nós defendemos que haja, sim, uma revisão desse papel do Banco Central para que ele volte a se articular com a política mais geral da economia brasileira e da proposta eleita pelo povo brasileiro.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Bem. É inegável a necessidade de discutirmos a questão ambiental no país e no mundo, com ações inclusive no Brasil e no restante do planeta. Basta a gente olhar o que acontece no nosso país, na região Sul, com as enchentes, e no Amazonas com as secas.
Há previsão inclusive, em 2024, de haver seca no Nordeste, que nos preocupa bastante. É inegável que a gente tenha que discutir, não só as novas formas de energia limpa, mas as novas formas de produção e as novas formas de consumo que garantam a sustentabilidade ambiental.
Entretanto, nos preocupa muito a forma como essa discussão da energia limpa tem se colocado para a sociedade. Essa energia limpa tem tido impactos que precisam ser discutidos pela sociedade. Como, por exemplo, os impactos ambientais ao desviar cursos de água e trajetórias de fluxo de animais. (Usinas eólicas) têm sido implantadas, muito fortemente, em regiões que são produtoras de alimentos e em pequenas propriedades. Há um conjunto de impactos sociais que precisam ser discutidos.
E, também, principalmente para o Nordeste, é preciso se olhar essa questão de como a região vai se apropriar da riqueza gerada por essa nova matriz energética. Se nós seremos apenas exportadores dessa energia limpa ou se toda a cadeia produtiva, por exemplo, vai se implantar no Nordeste, e a gente vai gerar emprego e renda através dessa cadeia produtiva.
Porque o que está colocado é: há uma geração de emprego. Há uma demanda por emprego muito forte na implantação dessas usinas, desses parques eólicos, dessas fazendas de energia solar. No entanto, a manutenção delas tem gerado muito menos empregos.