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Previdência social: os desafios e os caminhos para garantir a dignidade dos idosos no futuro


Aumentar a arrecadação, a partir da fim das renúncias e isenções fiscais, poderia ser uma medida para tornar a seguridade social superavitária

Publicado: 06/10/2023

Idosos na região central de Brasília - Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Do GGN

Ainda durante a cerimônia de posse, em 3 de janeiro, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, afirmou que a previdência não é deficitária, apesar de os números oficiais dizerem o contrário. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem um rombo de R$ 270,2 bilhões, de acordo com o relatório de contas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU). 

O cenário ficaria ainda mais preocupante quando consideramos o futuro próximo. Em 2060, o déficit deve chegar a R$ 3,3 trilhões, o equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com as estimativas do atual governo. 

Outro desafio que deveria jogar o pessimismo sobre o benefício destinado aos aposentados é o envelhecimento da população. Existe a expectativa de que, já em 2030, o número de pessoas com mais de 60 anos se iguale ao de crianças e jovens menores de 18 anos – o que aumentaria ainda mais a necessidade de recursos para custear a aposentadoria. 

Mas ainda que o cenário pareça insustentável, a verdade é que existem uma série de debates e de correções de injustiças sociais que poderiam fazer da previdência um sistema justo e sustentável. 

Até porque a aposentadoria não faz com que o idoso deixe de consumir. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esta população consome R$ 1,6 trilhões por ano. 

Financiamento

Para o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Eduardo Fagnani, o conceito de déficit é inconstitucional, até porque o rombo da previdência cresceu quase quatro vezes entre 2013, quando o montante era de R$ 70 bilhões, e 2022, devido à estagnação econômica e ao desmonte das fontes de financiamento do INSS.

A principal fonte de receita da previdência, de acordo com o especialista, é a contribuição de empregados e empregadores. Mas a aposentadoria poderia ser financiada ainda pela contribuição sobre o lucro líquido das empresas e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). 

“Pela Constituição, além das fontes próprias, que são a contribuição do empregado e empregador, especialmente para financiar a previdência rural, a previdência deveria contar com o Cofins e a contribuição sobre lucros. Só que nunca contou, porque esses recursos sempre foram capturados pela área econômica para outras finalidades”, aponta Fagnani.

Nos últimos 10 anos, o País enfrenta a desaceleração econômica, em que além de recessões, a reforma trabalhista contribuiu significativamente para a queda da geração de emprego de qualidade, fazendo assim com que as contribuições vinda dos trabalhadores sejam cada vez mais simbólicas. 

Em relação à geração do emprego de qualidade, 70% dos trabalhadores ganham até dois salários mínimos (R$ 2.640), de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. 

“Quando se diz que a previdência tem déficit, não se leva em conta os recursos do Cofins e da contribuição sobre os lucros. A previdência que tem déficit é a contribuição do empregado e do empregador, que já não é suficiente para pagar as contas da previdência urbana e da previdência rural. É uma contabilização inconstitucional”, continua o professor da Unicamp. 

Reforma tributária

De acordo com a estimativa do governo, a reforma tributária pode gerar aumento de até 20 p. p. do Produto Interno Bruto (PIB) em 15 anos. Porém, a reforma, que foi dividida em duas partes, pode complicar ainda mais o atual cenário da previdência. A primeira delas, sobre o consumo, em fase final de articulação no Senado, defende a unificação dos impostos em uma única cobrança, o imposto sobre o valor agregado (IVA), extinguindo assim o Cofins, que está vinculado à seguridade social. 

“Quando extingue o Cofins sem vinculação com a seguridade social, você deixa de ter esta vinculação constitucional de recursos”, continua o economista. 

Segundo o levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a previdência atualmente custa R$ 1 trilhão aos cofres públicos. E não há IVA, segundo Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese, que consiga substituir tributariamente o Cofins. “O debate sobre desoneração para nós é central”, afirma. 

“Um dos temas hoje da reforma tributária é a defesa do fim das vinculações orçamentárias, em especial seguridade social e educação. Nós não montaríamos o SUS [Sistema Único de Saúde] sem a vinculação orçamentária da seguridade social. Nós não teríamos atingido mais de 95% de crianças na escola sem o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] e antes do Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério]”. 

Fausto Augusto Júnior

Isenções

Enquanto a previdência amarga o rombo de R$ 261 milhões, o Estado brasileiro abre mão, voluntariamente, de R$ 525 bilhões por ano em renúncias fiscais, de acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), valor suficiente para trazer a previdência de volta ao azul.

Crédito: Reprodução/ Dieese

Além de conceder estas isenções, vigora ainda no Brasil uma antiga ideia de que reduzir a carga tributária dos donos de capital geraria mais empregos, pois com mais capital disponível, este público investiria mais no País. 

Por isso, 26 de dezembro de 1995, logo após o Natal, o governo Fernando Henrique Cardoso criou Lei 9.249, que prevê a dedução de juros de capital próprio e a isenção dos lucros ou dividendos distribuídos aos sócios e acionistas, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas no País ou no exterior. 

Graças a esta benesse, o País deixou de arrecadar R$ 513 bilhões, montante que também seria suficiente para custear o pagamento de aposentadorias e demais benefícios de seguridade social. Vale ressaltar ainda que, segundo o diretor técnico do Dieese, a contrapartida desta concessão, que seria a geração de mais empregos, nunca se confirmou na prática.

MEIs e informais

“Quase metade dos trabalhadores brasileiros ou estão desempregados ou estão no mercado informal em trabalho informal. O que significa isso? Que quem está no mercado informal, via de regra, não contribui com a previdência e não vai ter direito à proteção na velhice. Hoje no Brasil, por conta da Constituição de 1988 e de um mercado de trabalho diferente de duas décadas atrás, quase 80% dos idosos têm como fonte de renda ao menos a Previdência Social. Isso não se repetirá daqui a duas ou três décadas”, continua Fagnani.

Entre economistas e pesquisadores, as críticas à pejotização por meio da modalidade de microempreendedor individual (MEI) são bastante recorrentes. Segundo Marilane Teixeira, pesquisadora da Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), os MEIs e trabalhadores que atuam como pessoas jurídicas (PJ) são, geralmente, profissionais em situação de trabalho precário, que têm de enfrentar disfarçadas formas de assalariamento, e que por atuar sob demanda, muitas vezes não conseguem contribuir com a previdência por falta de receitas. 

O Brasil tem 15,1 milhões de MEIs, de acordo com a Receita Federal. Por mês, estes profissionais pagam 5% do valor do salário mínimo (R$ 66) ao INSS, além de R$ 5 de Imposto sobre o Serviço (ISS) e R$ 1 de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS). 

A contribuição previdenciária dos MEIs garante o direito à aposentadoria com benefício estabelecido em um salário mínimo, além de outras seguridades, como auxílio-doença e licença-maternidade.

Porém, para contar com tais benefícios, o MEI precisa recolher a contribuição em dia, de acordo com a Portaria do INSS 1.382, de 2021. Caso pague os impostos com atraso, a contribuição previdenciária não contará na carência de, no mínimo, 15 anos de contribuição para conseguir a aposentadoria. 

E a constatação de Marilane Teixeira se prova diante do fato de que cerca de cinco milhões de MEIs possuem pendências tributárias e têm até o fim do ano para renegociá-las com a União em condições facilitadas. 

Herança bolsonarista

Eduardo Fagnani lembra ainda que o governo de Jair Bolsonaro (PL) impôs a um país desigual como o Brasil uma reforma previdenciária de padrão de países desenvolvidos, fazendo com que seja improvável que os trabalhadores consigam se aposentar pelas regras atuais. “É quase impossível um trabalhador se aposentar com a aposentadoria integral, pois qual é a nova regra: se aposentar com 65 anos para homem e 62 mulher, e 40 anos de contribuição. Pergunto: dada a realidade do mercado de trabalho que estamos vendo, em que a pessoa ganha por hora, trabalha por conta própria, você acha que a pessoa tem condição de comprovar 40 anos de contribuição?”

A aposentadoria por tempo parcial, em que o cidadão precisa somar 20 anos de contribuição, também está cada vez mais distante da realidade da maioria dos trabalhadores, que conseguem comprovar, em média, entre 17 e 18 anos de impostos pagos. 

Outra grande barreira imposta aos mais vulneráveis foi a exclusão promovida com a digitalização do atendimento do INSS. “Um dos grandes feitos do governo Lula foi os postos de atendimento do INSS. Tinha o telefone 153, em que o cidadão marcava a ida e era atendido rapidamente, conseguia o benefício e a aposentadoria”, comenta o professor da Unicamp.

Mas a gestão Bolsonaro caminhou no sentido contrário. “O que passou a ser feito: atendimento pelo aplicativo Meu INSS. Então, qualquer demanda tinha de ser resolvida via digital. É uma loucura, pois se você pensar no público idoso, de baixa renda, que não tem acesso e educação para trabalhar com internet, que não dispõe de dispositivos e programas para operar aquele sistema, tem uma exclusão digital enorme. E não estou vendo ações concretas do atual governo para enfrentar esta questão“, continua Fagnani.

A exclusão digital, segundo o economista que coordenou os trabalhos de transição de governo na área previdenciária, também é potencializada com o sistema do Estado, que teria uma inteligência artificial que rejeita entre 30% e 40% dos pedidos automaticamente, caso os dados informados pelo cidadão venham de encontro dos cadastrados no INSS. 

De acordo com Fagnani, dados informais da Dataprev indicam que existem cinco milhões de benefícios represados, ainda que o governo admita apenas a existência de dois milhões. Outros 2,8 milhões de benefícios estariam em análise. 

Porém, a fila de beneficiários tende a ser ainda maior (e desconhecida), uma vez que os pedidos judicializados não fazem parte desta contabilidade do governo. Os beneficiários que aguardam a perícia médica também não entram na estatística. 

Experiências internacionais

Sempre que o assunto déficit da previdência vem à tona, os liberais defendem a privatização da seguridade social. O ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, até levantou a bandeira do sistema de capitalização, legado que, felizmente, a gestão anterior não conseguiu implantar. 

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já comprovou que privatizar a previdência não é uma solução para o “rombo”, até porque pesquisas mostram que dos 30 países que o fizeram entre 1981 e 2014, 18 deles já reestatizaram a área de seguridade, entre eles Argentina, Chile e Colômbia.

Apenas o aumento da arrecadação, com o fim de isenções e renúncias fiscais, já seria suficiente para elevar em R$ 1 trilhão os montantes arrecadados pelo Estado, valor que pode tornar a Previdência Social superavitária novamente. Porém, com a atual base parlamentar do Congresso, dificilmente este tipo de discussão e de concessão serão colocada em pauta.

O governo poderia ainda investir mais no crescimento econômico, estimulando a geração de empregos mais qualificados e com melhores remunerações, além de criar melhores condições para que os MEIs, que representam 70% das empresas brasileiras, possam aumentar seu faturamento. Em Paris, na França, existe um consórcio que não permite a atuação de empresas multinacionais na capital, por exemplo.

Voltando para a realidade atual, enquanto há dez anos a fila do INSS era pequena, o cenário no futuro se parece mais com o que Eduardo Fagnani descreve como crônica de uma tragédia anunciada, em que a pobreza entre os idosos deve aumentar barbaramente. “Ainda hoje, talvez, 80% dos idosos têm como fonte de renda ao menos a Previdência Social ou o benefício de concessão continuada. Você não vê velho na rua pedindo esmola. É raro ver velho pedindo na rua. Infelizmente, daqui a 10, 20 anos, a gente vai ter velhos pedindo esmola na rua. Esse é o cenário que a gente vê e está dado”, finaliza.

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