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‘O bolsonarismo vitorioso em 2022 é muito mais potente’


Cientista político Jairo Nicolau fala ao ‘Nexo’ sobre a atual correlação de forças políticas no Brasil, um cenário que segundo ele as pesquisas de intenção de voto não foram capazes de captar por completo

Publicado: 03/10/2022
Escrito por: Jornal Nexo

As eleições de 2022 mostram que a inflexão do Brasil à direita, em 2018, não foi apenas momentânea, mas sim reflexo de uma tendência profunda. Desta vez, porém, o bolsonarismo aparece muito mais potente, aliado “às velhas elites conservadoras” do país.

Essa é a análise do cientista político Jairo Nicolau, professor da Escola de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas) no Rio de Janeiro e autor do livro “O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018”. “Com essa aliança que Bolsonaro costurou ao longo do governo, ele mudou a natureza do bolsonarismo de 2018”, afirmou Nicolau ao Nexo.

Para ele, os resultados do primeiro turno, que elegeu uma série de aliados de Bolsonaro e candidatos da direita a governos estaduais, cadeiras no Congresso, e vagas nas Assembleias estaduais, colocam em dúvida a própria vitória em segundo turno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vinha aparecendo em primeiro lugar com ampla folga nas pesquisas de intenção de voto.

“Vai ser uma loucura do ponto de vista do desafio, é a menor distância entre dois candidatos da história do Brasil”, disse. Lula ficou com 48,1% dos votos e Bolsonaro atingiu 43,2%. O PT, partido do ex-presidente, elegeu 4 senadores. O PL, sigla do atual mandatário, elegeu 8.

Nesta entrevista, concedida ao Nexo por telefone assim que a maior parte dos resultados foram publicados pelo TSE, no domingo (2), Nicolau analisa as surpresas, o significado e os reflexos do resultado das urnas.

Como define os resultados deste 2 de outubro de 2022?

JAIRO NICOLAU No livro que escrevi sobre 2018, dizia que o Brasil dobrou à direita. Com esses resultados, digo que o Brasil dobrou à direita e ficou. É um resultado muito ruim para a esquerda em geral. E uma dizimação do que restava do centro antigo, do MDB/PMDB [mesmo partido, que mudou de nome].

Podemos dizer também que foi algo relativamente tão surpreendente quanto 2018. Bolsonaro nos surpreendeu de novo, dada a abrangência da vitória das forças bolsonaristas no âmbito das eleições para governos estaduais e para o Senado. A surpresa tem muito a ver com as expectativas que os institutos criam para nós, que confiamos nas pesquisas. Muita gente agora vai dizer que não se surpreendeu. Mas o fato é que as pesquisas apontavam uma vitória ou pelo menos uma quase vitória no primeiro turno. E todas as pesquisas também davam uma avaliação ruim do governo Bolsonaro, que aparecia com uma rejeição incontornável e muito inferior à de Lula.

Para explicar esse descolamento entre as pesquisas e os resultados, precisaremos fazer um inventário nos próximos dias. Há uma questão dos critérios sociológicos do Brasil, que precisam ser calibrados. Além disso, uma hipótese que foi aventada, que aconteceu nos Estados Unidos, é de que talvez os bolsonaristas boicotem as pesquisas mesmo, numa magnitude maior do que imaginávamos. Até porque houve uma campanha nas redes sociais de descrédito dos institutos de pesquisa.

Nós também subestimamos o 7 de setembro, a capacidade de mobilização de Bolsonaro em Rio, São Paulo e Minas. E desprezamos a melhora da economia nas últimas semanas. Impactos da redução da gasolina, da deflação, não apareciam nas pesquisas, mas talvez já estivessem acontecendo.

No fundo, nós cientistas sociais precisamos fazer uma autocrítica. Estamos tendo dificuldade de entender o conservadorismo brasileiro. As pesquisas qualitativas também mostravam vitória com folga de Lula. Existe uma questão de abordagem, gerando uma dificuldade de se chegar a uma parte do Brasil. Estou me incluindo aí. E esse papo de “onda final” [de votos para Bolsonaro] não dá pra mim. Essa onda saiu de onde? A onda apareceu de ontem para hoje? Não é onda, é algo mais estrutural.

O que esperar para o segundo turno das eleições presidenciais?

JAIRO NICOLAU Se a dúvida era se Lula ganharia no primeiro ou no segundo turno, o discurso agora é o que ele tem de fazer para ganhar. As dúvidas mudaram de patamar. Porque não foi só o que aconteceu em cima, no plano presidencial. Os resultados de todos os cargos mostraram a força de um Brasil de direita.

Além disso, a abstenção é sempre maior no segundo turno. Os brancos e nulos também. Apoios, confrontos em debates... certamente a campanha do PT vai ter que se reprogramar, até psicologicamente.

A essa altura, Simone Tebet tem um papel mais importante do que o de Ciro Gomes [ambos também concorreram à Presidência, pelo MDB e PDT, respectivamente, mas não atingiram 5% dos votos válidos]. Ela [que já declarou voto em Lula no segundo turno] não transfere todos os votos que teve, obviamente. Mas, como fez uma campanha bonita, foi bem nos debates, acho que ela será, sim, uma figura muito importante.

O esforço agora tem de ser de todo tipo. Já houve um esforço no primeiro turno de capturar artistas, intelectuais, pessoas físicas. Agora o importante é capturar lideranças políticas estaduais. O PT vai ter que buscar alguns segmentos do PSD, do União Brasil. Segmentos que foram derrotados, como “Mandettas” [o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do União Brasil, não conseguiu se eleger ao Senado].

Vai ser uma loucura do ponto de vista do desafio, é a menor distância entre dois candidatos da história do Brasil. Isso não é pouco. Um, pela direita, é craque na comunicação com uma parte do Brasil. Outro é o maior líder popular, pela esquerda. É algo de gigantes que vamos enfrentar.

O que os resultados dizem sobre o bolsonarismo como força política?

JAIRO NICOLAU Dizem que a inflexão do Brasil à direita, em 2018, não foi apenas momentânea. Não foi apenas um raio em céu azul, ou seja, alguém que ganhou por circunstâncias de todo tipo, desde redes sociais à facada.

As eleições de 2018 já revelavam que havia algo mais profundo no Brasil. Ao longo do tempo esse fenômeno foi se organizando, ganhou tração, sobreviveu à pandemia, sobreviveu ao isolamento do presidente. Bolsonaro vem por dentro, não é um outsider. Tem apoio dos políticos estaduais, tem tempo de televisão... Ele se conectou muito mais com o mundo orgânico da política tradicional brasileira.

O quadro reforça uma ideia que defendo há muito tempo de que o bolsonarismo é a expressão do conservadorismo brasileiro que encontrou uma liderança popular. E, considerando sua amplitude, essa vitória parece maior do que a de 2018.

Esta vitória de agora representa um casamento de Bolsonaro, e das lideranças que se elegeram com ele (as que sobraram como suas aliadas), com a velha elite política, conservadora de direita, que é o centrão. Com essa aliança que Bolsonaro costurou ao longo do governo, ele mudou a natureza do bolsonarismo de 2018. Esse bolsonarismo de agora é outra coisa, é muito mais conectado à política tradicional, muito mais potente. A nova elite bolsonarista que emergiu com Bolsonaro chega agora forte nos estados, ganhando para tudo quanto é lado.

Desta vez não se pode falar que foi [Steve] Bannon [ex-estrategista do ex-presidente americano Donald Trump], que foram as fake news. Não é Bannon que explica a eleição de Marcos Pontes [PL], de Sergio Moro [União Brasil], de Damares Alves [Republicanos]. Temos que entender não só as raízes desse novo conservadorismo, mas também pelo que ele se mobiliza. A nossa bússola está quebrada. Eduardo Pazuello [que foi ministro da Saúde de Bolsonaro durante a pandemia] teve uma votação espetacular.

O que esperar da próxima legislatura no Congresso?

JAIRO NICOLAU Eu esperava um Congresso conservador, mas com menos força dessas figuras ligadas a Bolsonaro. Assim como esperava uma diferença um pouco maior entre Lula e Bolsonaro, ainda que não aqueles dez pontos apontados pelas pesquisas.

Se Bolsonaro ganhar a eleição, ele nem precisa mais falar em golpe. Com esse Congresso, ele vai fazer tudo o que quiser do ponto de vista de política econômica, política social, reformas. E na verdade ele terceirizou um pouco o mundo parlamentar e a vida partidária. A linguagem dele é a das lives, para se comunicar diretamente com o Brasil. Com o trabalho parlamentar, de bastidores, ele não está se importando muito, não.

Na eventualidade de Lula ganhar, ele vai pegar um Senado muito mais conservador do que o atual. E vai pegar também uma Câmara muito mais ideológica, muito mais organizada à direita.

A política brasileira vai ter que se reconfigurar totalmente. Especialmente se Lula perder, a esquerda vai ter de fazer uma discussão completa sobre seu papel no Brasil, pensar em renovação. O centro também.

Os resultados do PL levam o Brasil para onde ideologicamente?

JAIRO NICOLAU A bancada atual do PL é a melhor fusão desses dois grupos que mencionei: uma elite tradicional, do centrão, do presidente da Câmara [Arthur Lira, do PP], das lideranças tradicionais conservadoras, e o que sobrou do PSL com Bolsonaro. É um plasma.

É simplesmente o maior partido de direita do Brasil. Com as migrações, vai se aproximando de 80 cadeiras. É uma máquina que vem com muita força.

Qual é a situação da direita democrática no país, que ensaiou uma terceira via nestas eleições e acabou se dissipando?
JAIRO NICOLAU O PL é democrata. O PL não é um partido fascista italiano. Não podemos confundir forças políticas antissistema, reacionárias, com conservadorismo. Esse conservadorismo “Damares” não é antidemocrata. Ele está aí, fundo na sociedade brasileira.

É uma força política ganhando uma eleição. Se um partido, mesmo que com discursos antissistema, joga o jogo, temos que aceitar. O discurso que eles fizeram antes, questionando as urnas, morreu. Obviamente por oportunismo, mas sumiu. Eles varreram o país eleitoralmente. A força de que essa vitória está se constituindo mostra que o vento está soprando as caravelas conservadoras. Temos que reconhecer isso.

Considerando o PSDB, é o fim de uma centro-direita com força relevante. Já Tebet se lançou candidata das forças políticas que foram chamadas de terceira via, ocupando o espaço do [tucano e ex-governador de São Paulo João] Doria, e não chegou nem no percentual de Doria, que estava com 5%, apesar do esforço gigante que fez. Esse campo mostrou um amadorismo, uma dificuldade de operar gigantesca.

Que vitórias no âmbito dos estados destacaria como importantes para o quadro da política nacional? No que prestar atenção para o segundo turno?

JAIR NICOLAU Acho que o maior vitorioso, tirando Bolsonaro, é Tarcísio [de Freitas, do Republicanos], como emergente [candidato a governador paulista]. Ele foi ministro, mas dias atrás era tripudiado porque não morava em São Paulo. Enfrentou um governador no cargo [Rodrigo Garcia, do PSDB] e um candidato forte, ex-prefeito de São Paulo [Fernando Haddad, do PT]. E fez o que ele fez [Ficou em primeiro lugar no primeiro turno, indo disputar o segundo contra o petista]. São Paulo já tinha feito isso com Bolsonaro, que não mora lá também.

O governador do Rio [Cláudio Castro, do PL] também foi um sucesso do ponto de vista de desempenho eleitoral. Outras situações impressionantes foram a vitória de Moro [para o Senado] e o desempenho de Onyx [Lorenzoni, do PL] também [que concorre ao segundo turno da disputa pelo governo do Rio Grande do Sul, contra o tucano Eduardo Leite].

As vitórias do primeiro turno têm impacto nas ameaças de Bolsonaro de não respeitar o resultado eleitoral? Como avalia o risco à democracia após esse primeiro turno?
JAIR NICOLAU Se Bolsonaro disputa o segundo turno, ele legitima o processo. Acabou o questionamento às urnas. Isso era papo de quem estava antevendo uma derrota. Agora existe até a possibilidade de Bolsonaro ser reeleito, uma coisa que estava fora do horizonte de todo mundo.

A ideia do golpe, portanto, está esmaecida, já que ele pode ganhar diretamente nas urnas. De qualquer forma, a dúvida sobre se Bolsonaro vai entregar o cargo caso perca a eleição não está descartada. É a única preocupação que eu tenho hoje.

O discurso antissistêmico, anti-Judiciário, contra a imprensa... isso vai permanecer, é estrutural do bolsonarismo. Isso não acaba nem se ele perder, nem se ele ganhar. Temos que lidar com isso. Essa questão do risco democrático sempre houve ao longo desses quatro anos. Mas também foi superdimensionado por uma parte da imprensa, que viu nisso também um tema.

Sempre fiquei preocupado com as crises institucionais. Bolsonaro tem uma retórica perigosa e fez vários gestos que estenderam a corda e deram a nós essa preocupação. Mas sempre soube da capacidade do Brasil, pela complexidade, pela sociedade civil, pelos movimentos sociais, pelo tamanho da oposição, pelo tamanho geográfico, que é muito difícil prosperar qualquer aventura autoritária. Isso aqui não é republiqueta da América Central. Não é a Hungria. A Hungria é um país mínimo lá da Europa, isso aqui é um país gigante.

Mesmo temendo por aventuras de quebra da ordem institucional, acho que não há como prosperar uma quebra da ordem democrática aqui no padrão antigo, de domínio militar, fechamento de fronteiras, fechamento de universidades. Não tem espaço num país com 210 milhões de habitantes, e não há apoio internacional.

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