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Novos golpes X consciência política. Qual o futuro do Brasil?


Novos golpes só serão evitados caso haja um forte investimento na formação política da população brasileira para que todos possam defender os interesses do país como sendo seus

Publicado: 31/03/2023
Escrito por: Ascom Sindsep-PE

Maria das Neves Santos Cardoso

Por Alexandre Yuri 

Dia 31 de setembro! Era um dia de sol, em pleno verão de 1974. Maria das Neves Santos Cardoso, a Nevinha, havia chegado ao Recife para encontrar o marido, vinda de Feira de Santana, na Bahia. Alanir Cardoso tinha feito a mesma viagem um dia antes. Ao chegar ao Recife, ela foi ao local onde os dois deveriam se encontrar. Ele não apareceu. Nevinha voltou ao local mais uma vez e nada. Soube pelo irmão que um homem havia sido preso, um dia antes, com um pastor metodista norte-americano. Ao saber da notícia, ela ligou os pontos e a tristeza trouxe cinzas para aquele dia.   

“Fiquei profundamente triste e abatida. Muito ansiosa e temendo pela vida dele”, lembrou Maria das Neves.

Alanir Cardoso foi preso por causa da sua luta contra o regime civil militar que se instaurou no Brasil no dia 31 de março de 1964, há exatos 59 anos. Entre as pessoas presas naquela ocasião estava o pastor norte americano Frederick Birten Morris. Fred pertencia a um grupo ecumênico ligado a Dom Hélder Câmara, que auxiliava as famílias de presos políticos. Alanir, que tinha ido ao Recife para realizar contatos políticos, por uma coincidência encontrou-se com Fred em Camaragibe e ambos acabaram presos no Recife.

Naquela época, Nevinha já havia passado pela faculdade de sociologia da UFPE, onde militou no movimento estudantil, trabalhado na Sudene e integrado a luta política em defesa da redemocratização do Brasil. “Tudo o que nós queríamos era o retorno da democracia e liberdade para construirmos um país mais justo, com melhor distribuição de renda. Um país desenvolvido que viesse a beneficiar o povo brasileiro e proporcionar melhor qualidade de vida a todos. Lutávamos por mais justiça social, mas recebemos a alcunha de comunistas e fomos perseguidos, torturados e assassinados”, disse.   

Asfixiando o desenvolvimento regional        

Maria das Neves ingressou nos quadros da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em novembro de 1964, meses depois de instaurado o regime militar. Naquele período, muitos trabalhadores da Sudene já estavam sendo perseguidos e respondendo ao Inquérito Policial Militar (IPM). A Superintendência era um órgão conhecido por reunir pessoas progressistas que pensavam o desenvolvimento regional e foram perseguidas por isso. Neivinha lembrou de nomes de colegas como os de José Rômulo Rodrigues, José Macêdo, Rosa Sales, Clemente Rosas e Délio Mendes. O próprio Celso Furtado, considerado como o pai da Sudene e seu primeiro superintendente, foi obrigado a deixar o país.  

A Sudene era um grande projeto de desenvolvimento do Nordeste. Mas durante o período militar a instituição sofreu várias remodelações que a afastaram do modelo concebido por Furtado e pelo ex-presidente Juscelino Kubitscheck. Os superintendentes do regime passaram a ser integrantes das forças armadas e houve um esfacelamento da Sudene enquanto instância capaz de induzir o desenvolvimento local.

Nesse período, Maria das Neves trabalhava na Associação de Cooperação Internacional (ACI) da Superintendência. Tinha contato com missões estrangeiras. Segundo ela, o maior número de missões era de norte-americanos. “Órgãos do governo dos EUA passaram a assinar diversos convênios com a Sudene e a promover ações nos nove estados em que a Superintendência atuava. A missão da Sudene mudou completamente. Passou a se direcionar para outros interesses que não o de desenvolvimento do Nordeste. Havia um conteúdo político norte-americano forte. Eles queriam ter o controle político do país e do Nordeste”, comentou.  

Da sala de aula a clandestinidade 

Nevinha iniciou o curso de sociologia em 1967, no Centro de Ciências Sociais da UFPE, localizado, naquela época, na rua da Soledade, centro do Recife. Em 1967, começou a participar do movimento estudantil e de grandes manifestações pela redemocratização do país. O movimento estudantil vinha crescendo e realizando diversas mobilizações. Mas, em 1968, veio o Ato Institucional Nº 5 e, com ele, o aumento da repressão e do número de prisões. “Naquele ano, tivemos uma invasão da polícia no prédio da faculdade. Entraram quebrando tudo. Os professores, estudantes, funcionários tiveram que sair correndo. Lembro que eu passei horas escondida no banheiro.”

Maria das Neves conheceu Alanir Cardoso, em 1972, quando ele já era dirigente do PCdoB. Ele era de Goiás. Foi perseguido e preso pela ditadura em seu estado. Depois de liberado, foi para São Paulo, Minas Gerais e chegou ao Recife, onde ingressou na Ação Popular (AP). Os dois se conheceram nas ações políticas e se casaram em 1973. Ao sentirem que o cerco policial aumentava, Nevinha se sentiu obrigada a se desligar da Sudene. Eles resolveram combater o regime na clandestinidade. Passaram por Juazeiro do Norte (CE), Petrolina (PE) e Feira de Santana (BA). Para sobreviver e se proteger da polícia política, trabalhavam vendendo roupas em feiras livres.

Depois que Alanir foi preso no Recife, Nevinha teve que se mudar para longe. “Alanir passou por uma série de torturas, mas não entregou ninguém. Então eles começaram a me procurar. Queria me prender para me torturar e obrigar o meu marido a entregar nossos companheiros. Mas não conseguiram.”

No dia 13 de dezembro de 1974, depois de ter passado por Brasília, Alanir foi transferido para um presídio em Itamaracá. Foi nesse período que Nevinha decidiu ir morar no Rio de Janeiro(RJ), onde ficou até 1978. “Passamos quase três anos sem nos ver. Tive muita saudade nesse período. Foi muito triste. Mas não fiquei isolada do mundo. Alanir me mandou um recado: diga a ela que viva! Então eu trabalhava e vivia uma vida normal", lembrou. Ainda com o marido preso, ela decidiu ir morar em Maceió(AL). De lá, conseguia vir todo o sábado visitar o companheiro na prisão. 

Um novo Brasil?

Alanir foi solto no dia 3 de abril de 1979. Em agosto de 1979 veio a anistia e depois a luta pelas diretas. Em 1983, há 40 anos, Pernambuco promovia o primeiro ato pela redemocratização do país. Era a primeira manifestação em defesa das Diretas Já, promovida por vereadores de Abreu e Lima.

Nevinha voltou a trabalhar na Sudene em 1986, junto com todos os servidores que haviam sido afastados. Ela havia passado 13 anos fora da Superintendência. Ao retornar, passou seis anos trabalhando no Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP) e se aposentou em 1992.

“Eu dava assistência a pequenos agricultores familiares. Um dia fui visitar um agricultor e tinha um homem armado na frente da propriedade dele. Não queria me deixar entrar. Mas eu o convenci e consegui passar. Quando falei com o agricultor ele havia tido um derrame e estava com um olho muito vermelho. Me disse que o latifundiário da região havia invadido as terras dele e o estava expulsando. Ele falou que as terras estavam na família desde a época do avô. Relatei tudo isso na Sudene.”

Sobre o golpe mais recente sofrido no Brasil, responsável pela retirada de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República e pela prisão do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, Maria das Neves não tem dúvidas da interferência norte-americana. “Toda vez que um país da América Latina tem um governo progressista, há uma interferência dos Estados Unidos. Para os Estados Unidos, a América Latina é o terreiro deles. Ainda hoje é assim. Uma área de dominação. Isso não é mais segredo. Não é à toa que hoje ainda temos um país de desempregados e famintos. Um dos países mais desiguais do mundo”, disse. É que os Estados Unidos não querem perder o controle do continente americano. Têm receio da América Latina se desenvolver e fazer frente a eles

Na opinião de Maria das Neves, que hoje mora com Alanir em um bairro da zona norte do Recife, novos golpes só serão evitados caso haja um forte investimento na formação política da população brasileira para que todos possam defender os interesses do país como sendo seus. “Ou se investe para aumentar o nível de consciência, ou teremos vários outros golpes”, concluiu. Com o golpe promovido em 2016 contra Dilma Rousseff, o Brasil já contabiliza dez golpes de estado.  

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