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No Paraguai, testemunho de médico forense inocenta camponeses de Curuguaty


Presos políticos há três anos e meio, camponeses são acusados pela morte de seis policiais; Arma responsável pelas mortes era de grosso calibre, cujo modelo apenas o grupo especial de operações do estado portava

Publicado: 19/02/2016

Do Brasil de Fato

Por Leonardo Wexell Severo,

De Assunção (Paraguai)

Os seis policiais militares do Grupo Especial de Operações (GEO) que morreram em Marina Kue, Curuguaty (Paraguai), foram abatidos com armas de “grosso calibre”, atestou o médico forense Floriano Irala. O testemunho comprova a inocência dos camponeses, pois além da força de elite da GEO, somente policiais do FOPE (Força de Operações da Polícia Especializada) portavam fuzis Galil durante o “confronto” em que também faleceram 11 sem terra, em 15 de junho de 2012.

O enfático e detalhado pronunciamento de Irala caiu como uma bomba no Palácio da Justiça, em Assunção, na última terça-feira (9). A declaração, sob juramento, abriu uma semana de depoimentos que levantaram dúvidas sobre o governo do presidente Horacio Cartes, que defende que os 324 policiais fortemente armados durante o episódio teriam sido vítimas de uma “emboscada”.

Histórico

Comprovadamente uma terra pública, destinada à reforma agrária, Marina Kue vinha sendo alvo de uma campanha midiática em favor da empresa Campos Morombí, grileira de milhares de hectares na região desde os tempos da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Em janeiro de 2012, parlamentares da Câmara dos Deputados aprovaram uma ordem de “averiguação”, que resultou no despejo de 60 camponeses - metade deles mulheres, crianças e idosos – acampados no local.

Identificando um a um, esclarecendo caso a caso, o médico Floriano Irala explicou sobre o macabro destino reservado pelas “armas de grosso calibre” aos seis policiais da GEO: os suboficiais Godoy e Jorge Sanchez foram fulminados com uma bala certeira; o subcomissário Erven Lovera, três; Wilson Cantero, cinco; Derlis Benitez, 11 e Osvaldo Sánchez, 13.

O estudo do médico se choca com a hipótese defendida pelo promotor Jalil Rachid, amigo da família de Blas Riquelme (que se advoga dona das terras em questão) e que foi premiado recentemente por Cartes como vice-ministro da Segurança. No posto, o filho de Blader Rachid, que foi presidente do Partido Colorado (do ditador Alfredo Stroessner, como Blas Riquelme) controla a polícia e incide diretamente sobre mais de uma centena de depoentes no processo de Curuguaty.

De acordo com Jalil, o comandante da ação, Erven Lovera, teria sido morto pelos camponeses, dando início ao “confronto”.  Irala declarou que tanto o subcomissário quanto os demais policiais a seu lado foram abatidos com armas automáticas. Armas de grosso calibre e de repetição – até 50 tiros, como o Galil israelense – que os sem terra não portavam.

A Promotoria também vendeu para a opinião pública, durante mais de três anos, que os camponeses dispunham de bombas caseiras - “coquetéis molotov”. Hoje, as investigações comprovaram que, na verdade, tratavam-se de lampiões com querosene.

Já as perigosas “armadilhas” disseminadas para assassinar os policiais, repetidas à exaustão pela mídia, nada mais eram do que “ratoeiras” para matar pequenos animais silvestres e encontravam-se amontoadas em uma barraca. Ambas questões foram esclarecidas pelo criminalista Élvio Rojas Peña e viraram motivo de chacota.

“Esta foi uma semana excelente para o pleno restabelecimento da verdade”, comemorou o advogado Victor Azuaga, assinalando que “as testemunhas desmontaram teorias absurdas da acusação, como a de emboscada, já que as tropas da GEO e da FOPE é que cercaram os camponeses. Também caíram as teses das bombas incendiárias e das armadilhas”.

Outras acusações como a de invasão de imóvel alheio e de organização criminosa igualmente se esvaem, apontou Azuaga, uma vez que a terra é pública e a organização social dos camponeses estava inscrita no Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert). Em outras palavras, os sem terra lutavam por seus direitos dentro da legalidade, buscavam terra para trabalhar. “O resultado destes dias coloca o julgamento em um novo patamar”, concluiu.

Investigação

Esquentando ainda mais o tempo de Assunção, beirando os 40 graus, o suboficial de criminalística Elvio Rojas confessou ter guardadas mais de 200 fotografias e filmagens do resultado do “enfrentamento”, todas de sua própria autoria. Passados mais de três anos e meio do sangrento episódio lembrado como Massacre de Curuguaty, os materiais já deveriam ter sido entregues durante a etapa de coleta das evidências. Serão finalmente apresentados e anexados ao processo na próxima semana, como “novas provas”.

“O fato da Promotoria dirigida por Jalil Rachid não ter solicitado as fotografias e filmagens comprova que classificou só o que poderia incriminar os camponeses, que são vítimas de um processo completamente viciado”, declarou o advogado Amélio Sisco. De acordo com Sisco, “são reiteradas as oposições feitas pela Promotoria para que não sejam incorporados novos elementos, pois demonstram o contrário de tudo que ela vem afirmando até agora, sendo comprobatórios da inocência dos camponeses”, disse.

Responsável pela inspeção dos corpos na área do enfrentamento, o médico forense Matias Arce disse que encontrou nove cadáveres, sendo que cinco mais ou menos juntos, próximos às barracas erguidas pelos sem terra. Algumas horas depois foram achados mais dois corpos, a cerca de 40 metros de distância. Questionado pela defesa, o médico afirmou que os corpos haviam sido movidos de local antes da sua chegada, tendo encontrado a todos com a boca para cima - algo totalmente fora do comum – à exceção de um deles, de costas, com o crânio esfacelado.

No dia seguinte ao morticínio, o promotor Jalil Rachid foi indicado para ser o responsável da “causa”, que envolvia o começo do golpe que levaria à derrubada do presidente Fernando Lugo uma semana depois, freando o processo de democratização da estrutura agrária paraguaia.

Dados do último Censo (2008) apontam que somente 2,5% dos proprietários detêm 86,5% das terras do país que, penalizado pelo monocultivo da soja, vê os preços dos alimentos dispararem. A fome e a miséria pegam pesado, particularmente para a população indígena, enxotada pelos grandes proprietários rurais.

Registros

O médico Matias Arce também admitiu ter fotografado os cadáveres dos sem terra e que as imagens se encontram gravadas em seu computador. Somente agora, a pedido da defesa, serão entregues e incorporadas ao processo.

Trazendo novos elementos, o oficial inspetor Carlos Dario Garcia Valenzuela comunicou que fazia parte de um segundo efetivo da FOPE enviado para Curuguaty, mas que só chegou após o conflito. O policial disse que a partir das 13:30h seu contingente já dominava o local, quando um pouco mais tarde, “apareceu uma pessoa num veículo e começou a recolher materiais. Questionado, se retirou”.

Ele ainda contou que, às 16 horas, “outra pessoa comunicou que tinha ordem de seus patrões para incinerar tudo”. Esta pessoa era alguém da fazenda Campos Morombí, tida pelos agressores como os senhores do local.

“Nós deixamos que fizesse o que havia vindo fazer, queimar colchões, roupas e barracas”, relatou o oficial, reconhecendo com todas as letras que o local do crime ficou completamente comprometido.

O oficial Valenzuela disse ainda que, na oportunidade, foi encontrado um dos famosos cadernos de apontamentos de “colaboração financeira” e listagem de “vigilantes” com nomes, sobrenomes e apelidos utilizados pela acusação para sustentar sua tese de “organização criminosa”. Para protegerem-se de uma tormenta, alegou, a tropa recebeu ordem de “permanecer na estância” de sexta até a quarta-feira seguinte. Foi nesta ocasião em que teriam “perdido” o tal caderno, indo a suposta prova, literalmente, por água abaixo.

No script entregue pela promotoria, a “psicóloga” que acompanha quatro dos policiais agressores extrapolou. Segundo ela, o suboficial da GEO René Toledo Silva lhe disse que em 20 anos passou por muitos enfrentamentos, com narcotraficantes e todo tipo de delinquentes, mas jamais viu “criminosos tão sem compaixão” como os camponeses de Curuguaty.

Em contraposição, o bispo do estado de Misiones, Monsenhor Mario Melanio Medina, denunciou o massacre como “uma montagem”. "Tudo foi orquestrado. Imaginem matar dois, três pássaros com um só tiro. Vamos culpar os camponeses, a Lugo e, na sequência, defender o que o governo Cartes está defendendo", declarou o bispo de Misiones, reiterando que as terras ocupadas são do Estado e não da família Riquelme.

Solidariedade

Diante das ameaças do governo, cresce a solidariedade com os presos políticos. Um bom exemplo é o da professora Margarita Durán Estrago, da Universidade Católica de Assunção, que está vendendo uma rifa em benefício dos familiares das vítimas de Curuguaty. Os prêmios são genuínos: um leitão, três galinhas caipiras, três quilos de queijo, três quilos de farinha de milho e duas dúzias de ovos caipiras.

“Após uma longa mobilização, os camponeses encontram-se em prisão domiciliar, em um albergue pós-penitenciário que é uma obra conjunta do Ministério do Trabalho e do Arcebispado de Assunção. O Estado não se responsabiliza pelos alimentos, só do transporte. Os defensores também são voluntários, não têm honorários e são do interior. Quando vêm para a capital, têm a hospedagem, mas não a alimentação. Os camponeses também querem trazer seus familiares, que dão uma força no julgamento com a sua presença. Tudo isso tem um custo e a solidariedade torna-se fundamental”, sublinhou Margarita.

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