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Mariana, desastre que nada ensinou


Apesar da tragédia no interior de Minas Gerais, o Brasil quer facilitar as licenças ambientais

Publicado: 01/12/2015

Da Carta Capital

O desastre protagonizado pela mineradoraSamarco é profícuo na produção de cenários apocalípticos. Após o rompimento da barragem do Fundão, em 5 de novembro, correram o mundo imagens de vilarejos inteiros devastados pelo tsunami de lamatóxica.

Pouco depois, o Rio Doce, convertido em abatedouro de seres aquáticos de variadas espécies, acabou tristemente retratado pelas lentes fotográficas. Às suas margens, meio milhão de habitantes entre Minas Gerais e o Espírito Santo tiveram o abastecimento de água interrompido, drama potencializado em comunidades ribeirinhas e indígenas.

Agora, o olhar volta-se para o Atlântico. Após percorrer 600 quilômetros, os rejeitos de minério de ferro tingiram de marrom as águas esverdeadas do litoral capixaba.

A mancha estendeu-se por um raio de 10 quilômetros da costa. Na avaliação de especialistas consultados por CartaCapital, é cedo para aferir os estragos causados ao ecossistema marinho. Os maiores danos devem ocorrer na Foz do Rio Doce, ponto de contato com o oceano e berçário de diversas espécies de tartarugas, peixes e crustáceos.

“Uma das principais preocupações diz respeito ao tempo de exposição com essa água, que tem muito material particulado em suspensão. O escoamento completo pode demorar meses”, afirma o oceanógrafo David Zee, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

“A água turva bloqueia os raios solares. Como consequência, microrganismos vegetais, como fitoplânctons e algas, ficarão impedidos de fazer fotossíntese, e eles estão na base da cadeia alimentar dos peixes que desovam na região.”

O impacto deve ser, porém, bem menor que o verificado na calha do Rio Doce, sobretudo nas áreas mais próximas da barragem rompida.

“A lama se diluiu até chegar aqui, e todos os testes de qualidade da água apresentam teores de metais dentro dos padrões permitidos pela legislação”, pondera Aguinaldo Silva Martins, professor de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo, ao mencionar resultados de medições feitas pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais, pela Agência Nacional de Águas e pelo Serviço Geológico Brasileiro.

“Não há indícios de que a água que chegou ao litoral capixaba seja tóxica, como tem sido alardeado. Evidentemente, teremos de fazer monitoramento constante, mas a situação é distinta daquela vista na região de Mariana.”

Na quarta-feira 25, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, também afastou a possibilidade de a mancha se estender aos manguezais de Vitória ou atingir o Arquipélago de Abrolhos, no litoral sul da Bahia. “Não se espera uma dispersão de 200 quilômetros como imaginam.” Destacou, porém, que a concentração de lama depositada na Foz do Rio Doce é muito grande, e pode causar um “impacto irreversível”.

Dias antes, a ministra assumiu o compromisso de apresentar um projeto de longo prazo para a recuperação integral do rio, além de esclarecer que as multas aplicadas pelo Ibama, no valor total de 250 milhões de reais, terão destinação específica para as ações de reparação ambiental da área. 

Controlada por duas gigantes da mineração, a brasileira Vale e anglo-australiana BHP, a Samarco terá de arcar ainda com um fundo de 1 bilhão de reais para o ressarcimento das ações emergenciais e de reparação de danos, estabelece um acordo firmado com os Ministérios Públicos Federal e de Minas Gerais. Na sexta-feira 27, o governo anunciou que este valor deve crescer, uma vez que a União decidiu processar Vale e Samarco para pagarem 20 bilhões de reais pelos danos causados.

Três semanas após a tragédia, as causas do rompimento da barragem permaneciam desconhecidas. As respostas podem demorar de seis meses a um ano, especula Ricardo Vescovi, presidente da companhia. Na verdade, os bombeiros nem sequer conseguiram localizar todas as vítimas. Na madrugada da quinta-feira 26 foi encontrado o 13º corpo. Onze moradores seguem desaparecidos.

Para representantes das Nações Unidas, as respostas do governo e das empresas até o momento são “inaceitáveis”. Em recente comunicado, com declarações do relator especial para assuntos de Direitos Humanos e Meio Ambiente, John Knox, e do relator para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, a entidade criticou a demora na divulgação de informações sobre os riscos do lançamento de um volume tão grande de rejeitos no Rio Doce.

“As providências tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente insuficientes. As empresas e o governo deveriam fazer tudo o que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias”, diz o texto.

O temor de novos desastres impõe um suplício adicional à população mineira. Recentemente, a Samarco iniciou o reparo emergencial de duas de suas barragens. A ameaça não se restringe à região de Mariana.

Segundo um relatório da Fundação Estadual de Meio Ambiente, das 735 barragens existentes em Minas Gerais, 42 não têm garantia de estabilidade assegurada por auditoria independente. Apesar dos riscos, elas têm permissão para operar.

Pior: em várias localidades, moradores se queixam da falta de informações sobre os planos de emergência em caso de acidentes. Em Itabirito, para citar um caso, três das nove barragens da cidade são classificadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral como de alto potencial de danos.

“O que ocorreu não foi uma fatalidade. Uma barragem não se rompe ao acaso. Se a empresa estava dentro das normas, isso é um sinal de que elas precisam ser revistas”, diz Marcus Vinícius Polignano, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do projeto Manuelzão, de recuperação dos rios mineiros. “Nenhuma licença ambiental é feita para matar.”

O problema é que as propostas em discussão caminham na direção oposta. Na quarta-feira 25, uma comissão do Senado aprovou um projeto que flexibiliza a concessão de licença ambiental para grandes obras de infraestrutura. Conforme o texto, o Poder Executivo indicará, por decreto, empreendimentos vistos como prioritários.

O órgão licenciador terá 60 dias para analisar e solicitar esclarecimentos. Depois disso, terá mais 60 dias para decidir. Todo o processo levará entre sete e oito meses. O licenciamento normal, observa o senador Romero Jucá, autor da proposta, pode demorar até cinco anos.

Mesmo ao reconhecer a existência de obras emperradas devido à morosidade dos órgãos ambientais, Cristovam Buarque, do PDT, teme abusos como o fast track. “O projeto diz que o descumprimento de prazos implica a aquiescência ao processo de licenciamento. Aqui, abre uma porta para que, com qualquer ineficiência de um dos órgãos, o projeto seja aprovado mesmo se nocivo ao meio ambiente.” 

No mesmo dia, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou um controverso projeto de lei que acelera o licenciamento de atividades de mineração. A proposta dá poderes ao secretário de Meio Ambiente para conceder licenças em casos “prioritários”, quando os empreendimentos forem de grande porte e pequeno potencial poluidor, médio porte e médio potencial poluidor ou de pequeno porte e grande potencial poluidor.

A flexibilização das normas ambientais é uma aposta arriscada, avalia Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da USP e um dos maiores especialistas do País em direito de mineração. “De fato, o processo é moroso, para o bem e para o mal. As etapas administrativas para obtenção da exploração da licença ambiental são muitas, complexas e exigem grande investimento”, pondera.

“Mas a exploração predatória, insustentável e que margeia a legalidade não pode ser admitida, sob qualquer pretexto, inclusive o econômico. Não cabe justificar a ganância das mineradoras com a ‘demora’ dos órgãos públicos.”

*Uma versão desta reportagem foi publicada originalmente na edição 878 de CartaCapital, com o título "Quem brinca com lama..."

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