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IBGE: De banco de dados a banco de negócios


Paulo Rabello pretende alterar o estatuto do instituto para captar recursos e oferecer os serviços do órgão também para empresas

Publicado: 09/12/2016

Da Carta Capital

Falastrão, como ele mesmo se define, Paulo Rabello de Castro está há quatro meses à frente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E, apesar do pouco tempo como presidente do órgão, o economista e amigo de Michel Temer já tem conquistado destaque na imprensa pelas ideias que alardeia. Mas seus pontos de vista têm criado apreensão entre ex-presidentes e técnicos do IBGE quanto às mudanças que podem estar a caminho.

A principal delas já está em curso: a criação de um marco legal para “uso mais amplo das estatísticas e informações geocientíficas e ambientais”. Na prática, Rabello pretende abrir caminho e alterar o estatuto do IBGE para captar recursos e oferecer os serviços do órgão também para empresas, sejam elas públicas, sejam privadas.

Os planos de Rabello reiteram de que modo os apaniguados nomeados por Temer já têm conduzido órgãos públicos no sentido dos cortes e contingenciamentos, por conta da iminente aprovação de PEC 55, proposta que estabelece o congelamento das despesas primárias, incluindo gastos com saúde e educação.

O objetivo do presidente do IBGE é expandir as fontes de financiamento do órgão, que hoje depende basicamente das verbas do Executivo. Segundo Rabello, com a criação de um marco legal e a mudança no estatuto, o instituto poderá oferecer serviços específicos para outros órgãos da Esplanada e para empresas que também já fazem consultas de dados junto ao IBGE, frequentemente.

“A sociedade está muito sensível ao custo enorme da máquina e dos programas e ações públicos. É reação geral a décadas de avanço do gasto, não importa do quê. Por isso, a boa gestão pública neste momento tem de ser obediente ao comando das ruas: economizem. Revisem seus orçamentos. Busquem eficiência em tudo. É nesse espírito que estamos trabalhando”, diz a CartaCapital o presidente do IBGE.

A forma como Paulo Rabello interpreta o recado das ruas serve como pista da sua trajetória profissional. Liberal convicto, Rabello estudou na Universidade de Chicago, na qual cursou com professores como Milton Friedman, considerado o pai do neoliberalismo. No Brasil, o economista fez carreira também no mercado financeiro e é ligado ao Instituto Millenium, também de orientação ultraliberal.

Nessa linha, tem argumentado que o IBGE precisa deixar de ser um “adolescente que depende de mesada do pai”, em referência indireta ao governo federal. São analogias como essa que geraram, inclusive, resistência às suas ideias dentro do próprio IBGE. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Rabello afirmou, por exemplo, que o órgão é um “lago de informações” e deveria funcionar como um “pesque-pague”.

Isso porque, atualmente, existem empresas que contratam outras, intermediárias, para buscar nos dados do IBGE informações estratégicas e relevantes para seus negócios. “O IBGE atende (na área de georreferenciamento) a 400 pedidos de informação por dia de especialistas em perguntar sobre esses dados para empresas. Essa informação poderia, perfeitamente, ter algum tipo razoável de ressarcimento, porque interessa para determinados segmentos.”

Para colocar isso em prática, o presidente do IBGE nomeou um assessor que está trabalhando exclusivamente no Congresso Nacional com o objetivo de melhorar a aproximação entre o órgão e os parlamentares.

Essa atuação garantiu a instalação da Frente Parlamentar Mista da Geografia, Estatística e Meio Agroambiental (Gema) na Câmara dos Deputados. É por meio dessa frente que as mudanças devem ser feitas no órgão.

O responsável pelo requerimento que garantiu a criação da Frente Parlamentar foi o deputado Carlos Melles (DEM-MG), que é amigo de Paulo Rabello. Questionado pela reportagem sobre as conversas com o presidente do órgão para mudar a posição do IBGE, o parlamentar negou que tratasse do assunto. Disse que o objetivo da frente, na realidade, é garantir aos deputados acessos às informações, indicadores e dados com facilidade para que isso auxilie os trabalhos no Congresso. 

Outro deputado que participará da Frente é Luiz Carlos Hauly (PMDB-PR), que também se encontrou com o presidente do IBGE para tratar da demanda em Brasília, mas disse desconhecer intenção do órgão de vender ou oferecer serviços em troca de recursos.

Técnicos ouvidos pela reportagem, em condição de anonimato por receio de represálias, criticam as ideias propagadas pelo presidente, já que essas podem contrariar os princípios que sustentam o IBGE há 80 anos. O principal deles é o que garante gratuidade no acesso às informações coletadas pelos técnicos do instituto, por todos os segmentos da sociedade.

Na visão desses servidores, o instituto vai na contramão da tendência mundial de abrir, cada vez mais, o acesso aos dados. Além disso, eles enxergam que não é possível cobrar novamente de empresas, privadas ou públicas, para entregar dados que já foram custeados com dinheiro público. “Isso já foi pago pela sociedade, e as empresas também fazem parte disso quando pagam seus impostos”, justifica um técnico.

O sindicato dos trabalhadores do IBGE também tem se posicionado firmemente contra a proposta de Rabello. Diz, inclusive, que o presidente tem comportamento inadequado ao defender publicamente a PEC 55.

“Isso vai contra a tradição dos presidentes do IBGE. Quando assume, ele passa a ser um presidente técnico. Mas ele está usando o cargo para se autopromover”, explica Dione de Oliveira, integrante da executiva nacional do sindicato, ao citar a “imparcialidade” como um dos princípios fundamentais das estatísticas oficiais.

“Ele veio para cumprir um papel no IBGE, o papel de fazer essa mudança para Organização Social ou Fundação de Direito Privado”, complementa Suzana Drummond, que também atua como representante dos trabalhadores.

A exposição “excessiva” do presidente, criticada pelos servidores, gerou recente episódio de repercussão negativa. Na ocasião, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) chegou a divulgar que usaria os dados do IBGE para acabar com as fraudes na Previdência. A falsa informação espalhou-se após encontro entre o representante do órgão e Paulo Rabello.

Depois, o INSS desmentiu. Esse tipo de boato poderia inibir os cidadãos a relatar de forma verdadeira seus dados para o Censo ou Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), com receio de perderem benefícios como o Bolsa Família ou a Bolsa de Prestação Continuada (BCP).

O sindicato também questiona um possível “conflito se interesses” na permanência de Rabello no cargo, por ele não ter se licenciado de suas atividades empresariais. Apesar de não exibir provas sobre essa acusação, representantes dos trabalhadores relatam reclamações públicas de Rabello quanto aos vencimentos recebidos para o ocupar o cargo. Essa insatisfação ele não escondeu de CartaCapital, mas assegurou que não está mais atuando como consultor no mercado privado.

Paulo Rabello ainda se defende das críticas sobre suas ideias para o órgão. Para ele, “qualquer instituição tem de estar minimante atualizada”, destacando a possibilidade de criação de um marco legal. O presidente rebateu ainda a tendência “isolacionista” do IBGE. “A conduta de ostra por parte do IBGE não é a melhor maneira de praticar independência. Isolacionismo é diferente de independência.”

Rabello minimiza as preocupações quanto à eventual interferência de empresas nas pesquisas do IBGE, no caso da privatização dos dados. O presidente diz ter convicção de que o orçamento do órgão continuará sendo constituído, majoritariamente, de verba pública.

Por fim, anuncia que o instituto está trabalhando em um aplicativo que torna mais simples os acessos a dados e indicadores produzidos no País. “Vamos aumentar capacidade do cidadão comum de praticar o livre acesso e organizar os dados à sua maneira”, explica.

A ex-presidente do IBGE Wasmália Bivar demonstrou a CartaCapital preocupação por conta de tantas mudanças estarem sendo discutidas pelo presidente sem debates internos com técnicos e servidores.

“Não tenho conhecimento direto de que a direção do IBGE esteja propondo uma nova lei para a instituição. Acredito que a atual deva ser aperfeiçoada. No entanto, não acredito que haja algo nesse sentido pelo simples fato  de que até o momento nada foi apresentado ou discutido com o corpo técnico, e uma mudança dessa magnitude sem consulta interna é inadmissível.” 

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