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Governo do RS descumpre ordem judicial sobre vegetação nativa há 8 anos; preservação teria mitigado efeitos da tragédia atual


Coordenador da Rede Campos Sulinos, o professor Valério Pillar explica o caso em entrevista ao GGN. Confira

Publicado: 16/05/2024

Valério Pillar, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da UFRGS

Do GGN

Em 2015, uma liminar judicial obrigou a Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (SEMA) a barrar cadastros ambientais rurais em que os proprietários declararam campo nativo como área rural consolidada. Essa decisão, no entanto, nunca foi cumprida e amplia os efeitos catastróficos de eventos ambientais extremos, como os vividos atualmente pelos gaúchos, explica o professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da UFRGS e coordenador Rede Campos Sulinos, Valério Pillar, ao GGN. 

Segundo o professor, a situação em torno dos campos nativos passa por uma problemática do senso comum perpetrada por leigos e até entendedores da área, que veem problema no desmatamento de florestas, mas não na compreensão das vegetações dos campos. “No Rio Grande do Sul nós temos regiões inteiras onde não há uma árvore, mas esses campos são vegetação nativa e são igualmente protegidos pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa, de 2012, que substituiu o antigo Código Florestal, e protege todos os tipos de vegetação nativa florestal e não florestal”, explica o professor.

A partir da Lei de 2012 foi estabelecido o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Pelas regras, toda propriedade tem que declarar sua a área total, incluindo vegetação nativa, as áreas de preservação permanente, de reserva legal e de Área Rural Consolidada. Mas esta última categoria tem sido usada de forma, no mínimo, equivocada pelos donos das propriedades rurais no RS. E a SEMA, que é o órgão que deve fiscalizar a situação, não corrigiu esses erros passados 10 anos.

“Acontece que na Lei de Proteção da Vegetação Nativa também diz que, além dos remanescentes de vegetação nativa, nós temos também áreas que já estão cultivadas, com lavouras, com plantios de árvores, pomares, áreas já utilizadas. Essas são contempladas na categoria denominada de Área Rural Consolidada”, contudo, “no Rio Grande do Sul, muitos proprietários de imóveis rurais declararam no CAR os remanescentes de vegetação nativa campestre, que são áreas de campo nativo ou seja vegetação nativa, como sendo rural consolidado”, o que é um equívoco.

Isso porque as autoridades do RS fizeram uma manobra jurídica, a partir de um decreto, para conseguir suprimir a vegetação nativa, reduzindo as exigências para isso. “O Código Estadual do Meio Ambiente, que é uma Lei estadual, incluiu esse decreto, essa manobra jurídica“, e assim os proprietários preenchem o CAR errado e dessa maneira não tem como implantar o Programa de Recuperação Ambiental, o PRA.

Neste limbo, a Justiça determinou que a SEMA não aceitasse mais cadastros deste tipo. Mas “o governo do RS vem descumprindo a liminar desde 2015, quando saiu a primeira decisão na 1ª instância, depois confirmada em 2ª instância. Nós pressionamos a Secretaria de Meio Ambiente, questionamos o governo de Estado, e parece que nada acontece e não tem acontecido de 2016 para cá. Já são pelo menos 8 anos de descumprimento de uma decisão judicial. E nada acontece“, declara o especialista.

Degradação do Pampa para plantação de soja

O professor traz à tona os efeitos da questão sobre a destruição do bioma Pampa, que abrange parte do sul do estado de Rio Grande do Sul e conta apenas com 49 unidades de conservação, cerca de 3% de sua extensão de 17,6 milhões de hectares.

“A cobertura de áreas que deixaram de ser mapeadas como campo nativo foi 147 mil hectares por ano. Traduzido isso em relação ao tamanho do Pampa: se nós dividirmos esses 1.470 km² pelos quilômetros quadrados do bioma, seria como se na Amazônia fossem suprimidos 30.000 km² por ano de vegetação nativa“, comenta.

É importante ressaltar que supressão dessas áreas ocorre principalmente a partir do avanço das lavouras de soja e de eucalipto, enquanto seria possível preservar a biodiversidade dessas aéreas, a partir do seu uso adequado, por exemplo, a atividade pecuária.

“É possível o uso econômico dessa vegetação nativa, que é uma pastagem gratuita, que bem manejada produz carne de boa qualidade, já que os animais podem ser bem nutridos e se criam bem. Mas os proprietários acham que plantar soja rende mais no curto prazo. Mas no longo prazo, nós teremos secas extremas, períodos de chuva extrema em que a colheita não vai acontecer”, alerta.

“Só que esses agricultores contam com o apoio do Poder Público e quando ocorre esses eventos extremos, eles são os primeiros a pedirem para estender o prazo para financiamento, os juros baixam, ou ocorrem anistias. Há uma socialização desse prejuízo em função de uso da terra, que não é a vocação natural desses ecossistemas“, explica Pillar.

Influência sobre a tragédia pós chuvas de maio

Em meio a tragédia que vive o RS, a partir das enchentes em decorrência das fortes chuvas de maio de 2024, a reportagem questionou Pillar sobre os efeitos da supressão da vegetação nativa no cenário atual. O professor ressalta que eventos extremos como este são muito mais determinados pelas correntes de ar, a partir de processos que se dão em escala global, como o aumento da concentração de gases de efeito estufa. Mas a preservação dessas áreas poderia ao menos mitigar os estragos.

“Por um lado, nós temos que reduzir as emissões de gases de efeito estufa; por outro, temos que contribuir para que os sistemas agrícolas não agravem os impactos dos eventos extremos: protegendo o solo para que quando tenhamos eventos de excesso de chuva, a água, ao invés de escorrer rapidamente – porque o solo está mal manejado, compactado, sem cobertura vegetal nativa – que a maior parte infiltre naquele solo, que funciona como uma esponja, reabasteça o subsolo, os aquíferos, para que essa água realimente as fontes e que mantenham o fluxo dos riachos, dos rios ao longo do ano, que reabasteça as barragens mesmo que tenhamos uma seca“, diz.

“As coisas estão ligadas: quando nós mudamos o uso da terra, não preservamos a vegetação nativa, e tem essa ambição de transformar tudo em uma monocultura, estamos prejudicando a capacidade desses ecossistemas de reter essa água. Quando a água escorre rapidamente sobre o solo e não infiltra, ocorre uma erosão. Essa água barrenta, que estamos vendo nas imagens da enchente em Porto Alegre, são sedimentos. De onde que vem esse sedimento? Dos solos agrícolas. Se tivesse uma cobertura vegetal, que protegesse esse solo, nós teríamos um menor carreamento de sedimentos. Mas no momento em que o uso da terra promove esses processos erosivos, nós estamos aumentando o impacto desses eventos extremos“, explica Pillar.

“A vegetação nativa nas margens dos rios servem também como barreiras onde ocorre uma cheia. A vegetação diminui a velocidade de escorrimento e diminui os danos que podem ser catastróficos rio abaixo. Nos vales serranos, por exemplo, se tivéssemos essa água mais tempo retida nas cabeceiras, talvez os danos não tivessem sido tão dramáticos”, pontua.

“Nós temos que mitigar as mudanças climáticas emitindo menos gases de efeito estufa, mas também nos adaptar aos eventos extremos climáticos promovendo usos da terra mais favoráveis para evitar esses impactos negativos, das grandes cheias ou das grandes secas“, completa.

PL 364/2019

Em meio ao cenário de degradação no RS, o tema também corre risco a nível nacional, com o Projeto de Lei (PL) 364, de 2019, proposto justamente para alterar a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, a partir da ampliação da conversão de campo nativo em áreas consolidadas.

“O argumento usado pelos deputados na Câmara Federal em favor do PL 364 é de que, nessas áreas consolidadas, se o proprietário quiser converter [o uso da terra] em [plantação de] soja, não precisa causar desmatamento, porque não tem mais árvores. Ou seja, uma visão que reproduz esse senso comum de que essas áreas seriam áreas degradadas porque não são florestas“, conta.

Segundo Pillar, os parlamentares querem ampliar os efeitos PL 364, que incialmente se referia aos campos do bioma Mata Atlântica, para desproteger os campos nativos – que estiverem sob uso pastoril – em todos os biomas. “O PL diz que os campos nativos de altitude que fazem parte do bioma Mata Atlântica também poderão ser declarados como área rural de uso consolidado e, portanto, não estarão protegidos mais pela lei da Mata Atlântica. O projeto ainda não foi aprovado, mas deve ser pela maioria que tem na Câmara. Agora há muita esperança que talvez o Senado possa vetar [a proposta], ou o governo Lula“, conclui.

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