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Destruição e doença: o que o agro planta no Cerrado


O setor prioriza a expansão de lavouras de commodities que são matérias-primas para os ultraprocessados e, de quebra, acelera o desmatamento do Cerrado

Publicado: 22/03/2022
Escrito por: O joio e o trigo

A área de lavoura no Brasil triplicou entre 1985 e 2020: de 19 milhões para 55 milhões de hectares. Todas as projeções de mercado indicam que o país se consolidará como o maior fornecedor de soja e milho para o mundo. Um relatório da consultoria Agroconsult já prevê o esgotamento da oferta de novas áreas para grãos em algumas regiões do país. 

Todos os caminhos apontam para o Cerrado. Hoje, segundo a plataforma MapBiomas, 44,2% da área desse bioma brasileiro está coberta pela agropecuária. As projeções da Agroconsult enxergam longe. E, mesmo sem tecer uma linha sobre a devastação do Cerrado, permitem enxergar o futuro: estima-se que até 2058 o Mato Grosso triplique a produção, enquanto os vizinhos Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás mais do que dobrem. 

O Brasil é o segundo país com maior área de floresta do mundo e o primeiro em florestas tropicais. O modelo de produção do agronegócio tem ameaçado o Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, que perdeu mais de 50% da sua cobertura vegetal original, de 1970 a 2018, de acordo com relatório da organização não governamental WWF.
Mais preocupado com o futuro, um relatório do MapBiomas aponta que 99% da devastação ocorrida em 2020 no Cerrado foi ilegal. O desmatamento está concentrado nas mãos de poucos ruralistas. De acordo com o Cadastro Ambiental Rural, o desmatamento foi causado por apenas 1% das propriedades rurais. 

O Cerrado possui 198 milhões de hectares distribuídos por 12 estados e Distrito Federal.
Guilherme Eidt, da área de políticas públicas no Instituto Sociedade, População e Natureza, ressalta que o desmatamento do Cerrado pelo agronegócio pode ter impactos na capacidade hídrica de abastecimento, na geração de energia elétrica e também na produção de alimentos. 

“Das 12 principais bacias hidrográficas no Brasil, oito delas têm suas nascentes no Cerrado. Fica clara nesta correlação de desmatamento a redução de vazão dos fluxos d’água. Temos evidências do impacto para a crise hídrica, mas também para a segurança alimentar e nutricional, à medida que você tem uma menor oferta de água para a produção de alimentos, porque muitas vezes a capacidade de irrigação em algumas regiões está muito direcionada para a produção de commodities”, analisa Eidt.

Um estudo do IBGE mostra que 97,4% da água consumida no país vai para as atividades ligadas ao agronegócio. Já o consumo domiciliar de água per capita pelas famílias brasileiras foi de 116 litros por dia, na média nacional de 2017. O Centro-Oeste, onde se concentra a maior produção de grãos, registrou o maior consumo de água, com 1.511,9 litros para cada R$ 1 gerado para economia da região. Quer dizer, enquanto fechamos a torneira para economizar água, o setor agropecuário esbanja o uso do recurso natural.
O Brasil tem investido na produção de commodities agrícolas em detrimento de uma agricultura diversificada e que atende pequenos produtores. Porém, é possível ter um território conservado, com produtividade, mas com impacto socioambiental menor. 

“Hoje é possível produzir no Brasil e garantir as mesmas rentabilidades em termos do que o próprio agronegócio coloca sem precisar avançar em áreas de floresta. Com o uso inteligente dos sistemas agrícolas, com uma perspectiva agroecológica, é possível garantir que esses eventos climáticos extremos, por exemplo, tenham uma regulação, um impacto menor, aumentem a capacidade adaptativa das populações nos territórios e a mitigação de muitas dessas mudanças no clima”, conclui Eidt. 

De 2000 até 2020, 76% dessa expansão da agricultura se deu sobre vegetação nativa do Cerrado na região do Matopiba – um polígono que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Nos demais estados, esse percentual da expansão da agricultura é inferior a 10%. 


Adoecimento da terra
Os dados da FAO ajudam a entender um outro aspecto negativo relacionado ao agronegócio: desde a abertura de fronteiras, nos anos 1990, cresce de maneira constante o uso de venenos agrícolas. Nos últimos quatro anos, foram liberados mais de dois mil agrotóxicos no Brasil – 1.517 só nos três primeiros anos de governo Bolsonaro. 

A Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer informou, após inúmeras pesquisas, que o glifosato, por exemplo, um agrotóxico amplamente utilizado no Brasil, mas proibido em pelo menos 21 países, foi comprovado como carcinogênico para animais mamíferos e provavelmente para humanos. No Brasil, a Anvisa decidiu, no ano passado, manter a liberação da substância, bastante usada nas lavouras de cana-de-açúcar, de soja, trigo e milho.

Além da contaminação do solo e da água, os agrotóxicos colocam em risco a biodiversidade e a produção de alimentos. Segundo o 1º Relatório Temático de Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil, das 191 plantas cultivadas ou silvestres utilizadas para a produção de alimentos no Brasil, 114 (60%) dependem da visita de polinizadores, como as abelhas. Para se ter ideia, em apenas três meses de 2019, meio bilhão de abelhas foram encontradas mortas no Brasil pelo uso de veneno. É o que aponta o levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil.

Mas a contaminação não acaba no campo. Além de contaminar frutas, legumes e hortaliças, resíduos de agrotóxicos chegam nos alimentos ultraprocessados. Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) analisou 27 produtos consumidos no Brasil e, em 13 deles, há presença de glifosato, entre outros agrotóxicos, em bolachas e salgadinhos, por exemplo.

Estamos destruindo o meio ambiente e a biodiversidade, mas estamos plantando o que nas lavouras brasileiras?

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