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Desertificação: Brasil elabora novo plano de ação diante de avanço de áreas áridas


Identificação de novas regiões atingidas é um dos diagnósticos em debate neste Dia Mundial de Combate à Desertificação

Publicado: 18/06/2024
Escrito por: Brasil de Fato

BRASIL DE FATO

Regiões do Piauí correm risco de desertificação - Rafael Martins / AFP

A cada segundo, uma área equivalente a quatro campos de futebol com solo saudável se transforma em espaço degradado no planeta. Esse dado foi anunciado pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, nesta segunda-feira (17), data em que é celebrado o Dia Mundial de Combate à Desertificação. O tom de alerta em escala mundial se junta aos movimentos que cobram políticas adequadas à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e da popularização do assunto.

"São temas que precisam de um comprometimento e atenção da sociedade como um todo. Precisamos fazer com que essa discussão avance além da dimensão da catástrofe, sem negar essa realidade", diz Edneida Cavalcanti, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Ela defende que seja considerada mais a responsabilização de práticas humanas inadequadas e menos a classificação da desertificação como uma "fatalidade climática", sem avanços políticos.

"É uma questão das atividades humanas, em função da maneira como elas são desenvolvidas, a exemplo da irrigação inadequada, do uso do solo de forma insustentável, da criação ligada com o sobrepastoreio, da mineração de forma mais agressiva. Tudo isso vai desencadear processos que comprometem a capacidade produtiva do solo", afirma Cavalcanti. Ela define a desertificação como um fenômeno de impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais, entre outros. 

 


Convivência com regiões áridas e semiáridas é possível e deve ser incentivada por políticas públicas, defende instituto / Cristiane Ribeiro

Pelo fator climático, no Brasil, há o avanço de um cenário considerado inédito, de acordo com uma nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), divulgada em janeiro deste ano. O documento afirma que pela primeira vez foram identificados municípios com clima árido no país, ao listar os baianos Abaré, Chorrochó, Curaçá, Juazeiro, Macururé e Rodelas, além dos pernambucanos Petrolina e Belém do São Francisco.   

O estudo para definir que oito municípios brasileiros possuem áreas similares a desertos considera uma combinação de fatores climáticos, que associados a atividades humanas insustentáveis se tornam ainda mais propícios à formação das conhecidas paisagens estéreis e sem vida nos territórios. Por isso, antes de planos "mirabolantes" de combate a esse fenômeno, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato defendem um olhar para as práticas que afetam diretamente as mudanças climáticas e a própria desertificação.      

 

"Essas atividades humanas insustentáveis estão inseridas em um modelo global de desenvolvimento, que foca em atender commodities e serviços especializados. Então aqui no Nordeste a dinâmica de degradação está associada à instalação de megaprojetos, destaco a questão dos parques eólicos e solares, do agronegócio e da mineração", afirma Aldrin Martin Pérez Marin, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (Insa).

A nota técnica do Inpe e do Cemaden apontou ainda um aumento com taxa média superior a 75 mil km² das áreas consideradas semiáridas, abrangendo todos os estados nordestinos (exceto o Maranhão), além do norte de Minas Gerais. O documento também chama atenção para a ocorrência de degradação em territórios considerados de clima subúmido seco, no caso, o norte do Rio de Janeiro e o bioma do Pantanal, no Mato Grosso do Sul. 

Entre os dados do documento, há uma convergência com a memória de Adriane da Silva Soares, conhecida como Adriane Quilombola, ao crescer na comunidade de Furnas da Boa Sorte, em Corguinho (MS). Ela recorda o passado, antes da ocorrência de secas, no curso d’água do Rio das Antas. 

"Na época eu tomava banho. Hoje ele ficou totalmente seco na minha comunidade. Dois anos sem água. Nós não temos água. A água foi perfurada a 150 metros e um poço secou. Por causa do desmatamento, por causa da ganância desenfreada. Porque o grande capital pensa em lucrar no hoje, ele não pensa no amanhã e no depois. Ele pensa em gerar, vender, gerar lucro para hoje, amanhã. Ele pensa no máximo um filho, ele não pensa nos netos", alega, ao destacar um compromisso ancestral do seu povo com o território.

Diante da situação, no último dia 14, o governo federal criou uma Sala de Situação para monitorar as secas e os incêndios no Pantanal e na Amazônia. O lançamento foi feito pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com a proposta de realizar ações de prevenção para reduzir impactos de eventos extremos.

"Hoje, a seca não é um fenômeno restrito ao semiárido e o subúmido seco aqui no Brasil. Tanto é que no ano passado houve uma seca intensa na região Norte e há uma seca em curso na região Centro-Oeste. Temos registros de seca na região Sudeste. São comportamentos diferentes, porque essas regiões têm características diferentes, mas trazem um comprometimento da disponibilidade hídrica para as populações que vivem em cada uma dessas regiões", ressalta Cavalcanti.

 

Plano

Por ser signatário da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, o Brasil assume alguns compromissos diante do tema. É dever do país, por exemplo, melhorar as condições de vida da população diretamente impactada, preservar os ecossistemas afetados e gerar benefícios globais mediante a aplicação do tratado. 

O país é uma referência mundial no assunto por se preocupar há tempos com as formas de combate e mitigação de seus efeitos, desde a década de 1970, levando a discussão, por exemplo, para o evento Eco-92 – a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro.

Em 2015, foi instituída a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, com a criação da Comissão Nacional de Combate à Desertificação (CNDC). Entretanto, o trabalho foi interrompido em 2016, e retomado este ano por uma portaria do Ministério do Meio Ambiente. Além disso, foi elaborado em 2004 o Plano Nacional de Combate à Desertificação, que ao longo de duas décadas precisou ser atualizado por conta das mudanças de muitas realidades no país. 

"A elaboração do segundo Plano de Ação Brasileiro [PAB] de Combate à Desertificação faz escutas da sociedade civil, dos movimentos sociais, dos povos e comunidades tradicionais e dos governos municipais e estaduais de modo que esteja ancorado nas realidades dos problemas que são enfrentados no contexto da desertificação. Também queremos que o Plano possa se inspirar ou ser motivo de inspiração a partir das boas práticas de gestão da biodiversidade e de enfrentamento às mudanças climáticas", afirma Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente.

Até o momento, foram realizados 10 seminários estaduais, sendo nove no Nordeste e um em Minas Gerais, e outros três por regiões do Brasil. Apenas a etapa no Sul não foi realizada por conta dos impactos das enchentes no Rio Grande do Sul. Inicialmente previsto para acontecer entre os dias 17 a 19 de junho, em Maceió, as novas datas para o Seminário Nacional do PAB serão divulgadas posteriormente, bem como o novo local de realização.

"Acho que se criam condições de viver no campo com políticas públicas voltadas para atender a necessidade das ações voltadas para a produção, para recuperação do meio ambiente, a questão da educação, valorização do jovem, a valorização da mulher, principalmente da inclusão da mulher negra nos espaços políticos. Então eu acho que esse debate, essa reflexão sobre o Plano tem uma importância muito grande porque vamos vendo o que não funcionou nesse outro e colocamos ações que possam ser concretas, que seja possível de se realizar nesse período", pontua o agricultor Antônio Sabino, do município de Santa Cruz da Baixa Verde, no sertão do Pajeú pernambucano. Ele participou da etapa de seminário em Pernambuco.

Para Aldrin Marin, pesquisador do Insa, o PAB de 2004 foi importante em vários aspectos, a exemplo do acúmulo de estudos que possibilitam novas abordagens do poder público diante dos desafios. Porém, a realidade nos territórios também segue uma dinâmica que exige cada vez mais atenção e prioridade para o tema. 

"Se fizermos um recorte para as áreas suscetíveis à desertificação, verificamos que de 2004 e até agora apareceram aí 5,6 mil km² como áridos, que antes não tinha no Brasil, entre Bahia e Pernambuco. O mesmo vale para a área semiárida e o subúmido seco. Portanto, aquilo que você conhece como áreas suscetíveis à desertificação em termos climáticos se expandiram. Além disso, digamos que as condições pioraram, porque a população cresceu, a demanda por energia cresceu e o modelo de desenvolvimento foca em olhar para a natureza como um chão de fábrica", explica Marin.

Por outro lado, algumas propostas apresentam resultados significativos na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e processo de desertificação, como o chamado recaatingamento. Na prática, esse conceito consiste no replantio de espécies nativas ou adaptadas na região, a partir de uma base agroecológica. Esse reflorestamento é um contraste com os processos de desertificação, apontados pelos estudos sobre o tema. 


Tecnologia social para captação e armazenamento de água da chuva em território semiárido. / Daniel Lamir

Ao mesmo tempo, organizações que atuam com o recaatingamento defendem a expansão de política adequadas para a região, com o plantio de árvores, a produção de mudas, a preservação das sementes crioulas e o desenvolvimento de tecnologias sociais adaptadas ao clima, como as cisternas de placas. Nesse sentido, além do conhecimento popular e científico, o nicaraguense Aldrin, que hoje mora em Campina Grande, na Paraíba, defende prioritariamente os avanços nas mediações que favoreçam o avanço dessas práticas, ao invés de ações "mirabolantes".

"Combater a desertificação não necessariamente implica na implantação de grande práticas físicas, mecânicas, biológicas para reversão. Mas implica em um processo de formação e educativo da sociedade como um todo. Então implica uma mudança de comportamento social, político, cultural e econômico para reverter esse processo. Isso é importante porque se a gente não faz essa mudança de comportamento não será possível. Vamos continuar sempre discutindo esse aspecto", defende o pesquisador do Insa.

 

Além disso, para Marin, um dos trunfos nesse processo de reversão está justamente na Caatinga, como um bioma eficaz em vários aspectos. De acordo com o pesquisador, por exemplo, estudos recentes revelam a importância do bioma no sequestro de carbono.

 

"Isso é recente. São doze anos, de 2012 a 2024, que se geram muitos dados sobre esse aspecto. Foram elaborados vários artigos, mas agora fizemos uma síntese, onde se consolida esse conhecimento da importância da Caatinga. Estamos publicando o artigo Sequestro de carbono além da Amazônia. O tema não é que um seja melhor que o outro. Mas estamos falando de um fator potencial também de combater essa degradação", explica,  O artigo será publicado em breve.

Edição: Thalita Pires

 


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