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SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO
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Publicado: 20/10/2021
Humberto Neto*
Mulheres, crianças e idosos revirando o lixo em busca de alimento. A cena que viralizou na segunda-feira (18) ocorreu em um bairro nobre de Fortaleza e infelizmente não é algo pontual no Brasil governado por Bolsonaro.
O nordeste brasileiro já protagonizou registros que chocaram o país e provocaram comoção nacional e internacional em torno da fome.
Em agosto de 1983, Delfim Vieira fez o registro que foi parar na capa do Jornal do Brasil, um agricultor cearense segurando sua próxima refeição: um calango. A foto repercutiu e mobilizou pessoas de todo o país e de fora do país em torno do combate à fome.
Não por acaso o nordeste brasileiro protagonizou cenas como essas. Segundo a pesquisa VigiSan, no ano de 2020 o índice de insegurança alimentar esteve acima dos 70% no Nordeste, enquanto a média nacional é de 55,2%. Quando observamos a insegurança alimentar grave e ampliamos o olhar para o Norte e Nordeste percebemos o quanto o problema é potencializado nessas regiões. Enquanto a média nacional gira me torno de 9% da população brasileira em situação de insegurança alimentar grave, no Nordeste esse índice atinge 13,8% e na região Norte 18,1%.
Em paralelo a isso, ainda em 2020, a produção agrícola brasileira bateu recorde de valores. Dados da pesquisaProdução Agrícola Municipal (PAM), divulgada em 22 de setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que o valor da produção agrícola brasileira cresceu 30,4% em relação ao ano anterior e chegou a 470,5 bilhões de reais. O aumento da demanda por commodities como milho e a soja, associados à alta do dólar, contribuíram para o desempenho do agronegócio brasileiro.
O agravamento da Fome nos últimos anos veio, portanto, acompanhado de um grande processo de acumulação de riqueza no Brasil, que se evidencia pelo aumento recorde do número de novos bilionários, como foi apontado pela revista Forbes, em que o Brasil alcançou em 2021 a marca de 40 novos bilionários.
Diante desse cenário de desigualdade e de crescimento da fome, diversas iniciativas multiplicam-se pelo país. Impulsionadas pelo combate à pandemia da covid-19 diversas organizações, movimentos e ONGs empenharam-se em campanhas de solidariedade com a distribuição de cestas básicas e itens de higiene durante o período de isolamento social mais rígido, porém, com o avanço da vacinação e com a retomada da atividade econômica essas iniciativas foram se abrandando e não se observou uma diminuição nos índices de insegurança alimentar, mas sim o aumento.
As campanhas de solidariedade não conseguem mais atingir o patamar alcançado durante o período de isolamento rígido e isso nos coloca uma questão fundamental: como enfrentar o desafio do combate à fome nessas condições?
Durante a década de 1990, a atuação do sociólogo Betinho foi fundamental para chamar a atenção da sociedade para o combate à fome. Envolvendo artistas e movimentos organizados da sociedade civil, grandes mobilizações e campanhas de solidariedade foram organizadas e trouxeram alento para milhões de pessoas que viviam em situação de insegurança alimentar.
Aos poucos, os diversos registros da fome vão sensibilizando a sociedade e criando uma fresta de oportunidade para mobilização e protagonismo das forças populares no momento em que a extrema direita ocupa o governo federal após uma ofensiva, que a partir de 2014 se deu sobre as forças populares.
Diante desse cenário, os movimentos populares não tardaram em criar iniciativas de combate à fome e de denúncia. Na última quinta-feira (14), a Via Campesina ocupou a sede da Aprosoja, no Distrito Federal, a ação fez parte da Jornada Nacional “Soberania Alimentar: Contra o agronegócio para o Brasil não passar fome”
Hoje, multiplicam-se pelas periferias das grandes cidades do país a criação de cozinhas populares com o objetivo de fornecer refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade social e ao mesmo tempo fomentar a organização popular nos territórios.
Em Fortaleza, a Cozinha Popular do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) vem atuando nesse sentido e fornecendo refeições no bairro da Bela Vista aos domingos.
O envolvimento da população em iniciativas como essas potencializa o funcionamento das cozinhas populares e trazem à tona uma série de pautas e demandas dos territórios que resultam em lutas concretas e no fortalecimento da organização popular como a formação de turmas de alfabetização, como a luta pela regulamentação fundiária e etc.
O protagonismo dos movimentos populares no combate à fome tem um grande potencial de mobilização social e precisa ser fortalecido de modo que a trabalhadora que hoje recebe a refeição para sua família seja, em breve, o sujeito de transformação social do seu território, pois a insegurança alimentar é um aspecto duro e cruel de um problema maior que é a exclusão social, e nesse sentido, o combate à fome precisa caminhar lado a lado com a organização popular e a luta por direitos.
*Militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Francisco Barbosa