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Por uma política de combate


Publicado: 05/03/2018

Por Aldo Fornazieri 

Os liberais impostores e a esquerda medrosa continuam com sua ladainha clamando contra a intolerância política,contra o ódio e contra a radicalização do processo político. Nesse final de semana foi a vez do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso visitar o muro das lamentações. Uns e outros enfatizam, como marcas da democracia, o convívio e a interlocução entre adversários, os modos civilizados de ser, a aceitação da diversidade, a polidez no debate e o respeito às leis e à Constituição, entre outros pontos. Todos eles seriam louváveis se, de fato, o Brasil fosse uma democracia. FHC acrescenta à esses valores a ideia de que a democracia se define também pelas regras do jogo político, respeitado o resultado da vontade soberana do povo no processo de escolha dos governantes que devem ter mandatos limitados no tempo. Poder-se-ia acrescentar que a democracia é um sistema no qual se usam métodos pacíficos para a solução dos conflitos sociais pela via da mediação das instituições.

Tudo isso é válido e belo, mas, no Brasil, é válido e belo para uma parte minoritária da sociedade. Os clássicos da democracia e da república, de Montesquieu a Tocqueville, entre outros, foram enfáticos e resolutos em assimilá-las à igualdade como substância necessária para defini-las. Não só a igualdade perante a lei, mas uma igualdade material. E foram categóricos em apontar as desigualdades como causas das discórdias, dos conflitos e das revoluções.

Na Europa as democracias se afirmaram pela via de revoluções, pela decepação de cabeças de monarcas e nobres, pela tomada de bastilhas, pelo assalto a palácios etc.. Nos Estados Unidos, a revolução igualitária foi prévia à  revolução política efetivada pela Guerra da Independência e pelo processo de aprovação da Constituição. No Brasil não tivemos nada disso e nunca tivemos democracia fundada no seu alicerce imprescindível: a igualdade perante a lei e a igualdade material.

Outro ingrediente absolutamente necessário à definição de democracia consiste no exercício da cidadania, algo que é residual e não universal no Brasil. Cidadania e direitos andam juntos e não temos nenhum dos dois elementos firmados de forma consistentes em nosso país. Assim, dizer que a Constituição de 1988, em que pese os seus avanços, é a Constituição cidadã, vem se revelando uma falácia. Não existe cidadania como direitos garantidos e não existe participação cidadã na vida política e social. A sociedade civil é frágil, sem força e desarticulada.

Mas o ponto principal é a desigualdade. O Brasil é o nono país mais desigual do mundo. A renda média mensal do brasileiro é de R$ 1.268. São 100 milhões de brasileiros recebendo até um salário mínino e, desses, 50 milhões vivem na linha da pobreza e mais de 13 milhões vivem na pobreza extrema, o que equivale viver com até R$ 57 por mês. Dados do IBGE divulgados na semana passada mostram que 26,4 milhões de brasileiros são subutilizados.  Pobres e mesmo milhões de assalariados não dispõem de atendimento adequado de saúde, educação, assistência etc. Além da violência, estão submetidos a riscos de toda ordem.

A Constituição e as leis são violadas pelos três poderes e pelos ricos. O Judiciário viola a ambas no plano político, econômico e social. Garante direitos para os ricos e punição para os pobres. O sistema policial está a serviço da proteção patrimonial dos ricos. Toda a situação se agravou com a instauração de um governo golpista e ilegítimo, protegido pelo Congresso e pelo Judiciário. A população sem direitos vive sob uma não-democracia e não pode usufruir da liberdade e não tem uma vida digna.

As imposturas liberais e as sucro-esquerdas afirmam que a superação das desigualdades vem com a educação. É uma meia verdade e, portanto, uma impostura ideológica para amortecer o conflito. Enquanto dizem isso, mantêm uma educação escandalosamente vergonhosa, que não emancipa ninguém, que não dá autonomia a ninguém.  Pesquisa da OCDE mostra que apenas 2,1% dos alunos pobres brasileiros têm bom desempenho escolar.

A intolerância com os intolerantes é necessária

Na segunda metade do século XX liberais e social-democratas criaram a falsa tese da prosperidade para todos, da cidadania para todos, dos direitos para todos e da riqueza duradoura das nações. O mundo seria  pacífico e civilizado. Hoje, o que se vê são os deserdados da globalização, os massacrados pelas guerras e violências sociais, os demônios soltos do fascismo e do neonazismo e a loucura governando o país mais poderoso do mundo. Este quadro anticivilizacional é filho do liberalismo, da social-democracia e da centro-esquerda. O liberalismo abandonou os direitos e a social-democracia e a centro-esquerda se tornaram o flanco esquerdo do liberalismo. A sua corrupção, a sua incompetência, a sua opulência fez com que deixassem um amplo campo aberto onde a extrema-direita ceifa impiedosamente e onde cultiva as ervas do ódio, da intolerância, da xenofobia e da violência. Aqui no Brasil, ódio, intolerância e violência são filhos do PSDB, do PMDB, de FHC, da esquerda medrosa, que por ação ou omissão albergaram os grupos fascistóides no vergonhoso processo de impeachment.

É preciso ser intolerante com os intolerantes, pois se eles triunfarem também seremos responsáveis. É preciso ser combativo contra uma elite predatória que nega direitos, cidadania e democracia para a maioria do povo brasileiro. É preciso ser intolerante com o Judiciário corrupto, violador da Constituição e das leis e que está a serviço dos ricos. É preciso ser intolerante com sonegadores, corruptos e com os privilégios dos políticos, dos juízes e do alto funcionalismo. É preciso ser intolerante com as desigualdades, com a sonegação de direitos, com o sistema fiscal que tira dos pobres para dar aos ricos.

O Brasil é um país desumano, impiedoso, incivilizado, maldoso e cruel contra a maioria do seu povo. O Brasil é guiado por uma equação perversa: predação e violência das elites e falta de virtude do povo. As esquerdas, os democratas e progressistas, em grande medida, são responsáveis por essa falta de virtude. Preferem reclamar do que lutar, preferem conciliar do que organizar e mobilizar. Inventam as mais mirabolantes teses para explicar as vitórias dos inimigos do povo e o seu próprio fracasso. Nas suas alucinações, anunciam vitórias que nunca chegarão. Não conseguem perceber que a última instância da política é a força. Inventam lideranças que não têm força organizada e que caem ao primeiro sopro de golpistas. E, sem força organizada e combativa, imaginam que podem fazer grandes transformações pela via das instituições sem perceber que os poucos avanços que conseguem serão recobertos por terríveis retrocessos nas suas subsequentes derrotas eleitorais ou pelo seu apeameto do poder por golpes.  

Neste tenebroso século XXI é preciso perceber que a ação política mudou de natureza: vivemos uma decadência da democracia, uma decadência da igualdade, uma decadência da liberdade, uma decadência dos valores humanísticos e uma decadência da civilização. Os inimigos de todos esses valores, direitos e instituições estão combatendo. Os antigos liberais e democratas estão empoleirados no poder e/ou no gozo de suas riquezas. O jogo democrático normal está desaparecendo, violentado pelos primeiros e mascarado pelos segundos. Se tudo isto é terrível para o mundo, é mais terrível para o Brasil - país não-democrático. Este mundo sombrio e este país sombrio precisam ser enfrentados com coragem e luta. As novas gerações precisam ser educadas e preparadas sob a égide dessas virtudes e práticas combativas.

Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)



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