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O que o caso da garota de 10 anos tem a ver conosco?


Publicado: 25/08/2020

Fotos: Maria Eduarda Andrade

Em agosto uma notícia surpreendeu não apenas o Brasil. Uma garota de 10 anos teve o seu direito à interrupção da gravidez, fruto de violência persistente desde os 6 anos, cerceado. Decisão respaldada pela sua responsável, a garota teve um percurso a percorrer, apoiada por diversas organizações de mulheres, profissionais das áreas médicas, assistência social, psicologia, direito, e os serviços públicos aos quais recorreram afinal fizeram valer o direito garantido por lei..

Mas, e as outras meninas, e meninos, que sofrem violência sexual e não têm qualquer apoio familiar ou institucional que as/os tirem da situação e ofereça proteção? Casos que ficam invisibilizados? Só a cidade de São Mateus, de onde ela veio, registra uma média de um parto de menor de 14 anos ao mês. São meninas que, por falta de atendimento correto, podem ter sido expostas à maternidade precoce por estupro. Gestação nesta idade é a alienação de vidas, é a perpetuação das violências e exclusões a que estiveram expostas. Com elas ficamos em débito que não poderá ser quitado.

Já que esta é uma publicação voltada a servidores/as públicos/as, pensamos que este pequeno artigo poderia contribuir com reflexões sobre boas práticas nos casos de violência sexual. Muitas vezes, os espaços da graduação não nos expõem a questões importantes com as quais vamos nos deparar no exercício do cargo/função pública. Caso das violências, entre elas a sexual, cultura do estupro, racismo, violência contra a população LGBTQI+, direito ao aborto, diálogo sobre o suicídio. São questões imprescindíveis para dialogarmos sobre elas, o que pode contribuir para que não sejam invizibilizadas e para a reprodução de violências e sofrimentos. Existem leis, normas e protocolos, além de pesquisas, manuais, diversos materiais que podem contribuir para o debate e sensibilização.

De imediato: se implique. É com você. Mesmo que você não saiba no início o que fazer e que seja preciso procurar a melhor forma de produzir esse cuidado, que precise entender quais são as redes de atenção e proteção, ou mesmo pedir orientação a profissionais que já tenham experiência nesses casos. Mas, o que não podemos, enquanto sujeitos e profissionais é ignorar ou negar o atendimento. Ignorar é reiterar violências. Não acolher é reiterar violências. Culpabilizar a vítima é reiterar violências. Não agir é reiterar violências.

Considere que independente da suas crenças pessoais, ou da linha teórica que orienta a sua prática é necessário, principalmente nesse momento histórico, uma compreensão de que a atuação do servidor/a é também política. Política aqui não é ‘político partidária’, mas entendida como os modos como tecemos nossas relações conosco e com o mundo, as práticas que colocamos em funcionamento e ‘como’ e ‘se’ as problematizamos, pois elas irão produzir impactos. Assim, a amplitude de nossa escuta, o acolhimento e intervenções que realizamos enquanto profissionais são também políticos, pois se direcionam a partir de um sentido ético e produzem efeitos nos sujeitos e na malha social, ou seja, efeitos micro e macropolíticos. A depender desse posicionamento algumas questões são invisibilizadas e isso continua reiterando violências e perpetuando sofrimentos.

Há problematicas que são estruturais na nossa sociedade, atravessam os sujeitos produzindo seus corpos e subjetividades, e precisam ser enfrentadas. Em nossas práticas, podemos contribuir para a  perpetuação dessas estruturas ou para invenção de novos e melhores modos de existir. Então, ao nos responsabilizarmos por uma prática que acolha e contribua na produção de autônomia e saúde,  precisamos inevitavelmente nos sensibilizarmos e nos instrumentalizarmos para o atendimento de quem chega. Como está sua capacidade de escuta? Sua possibilidade de intervenção? E a partir daí o olhar para o entorno e a buscar as mãos que podem se unir formando uma rede de apoio, cuidado e respeito aos direitos humanos de mulheres, de meninas, mas também de outros cidadãos que precisam da proteção das instituições.

Carla Gisele Batista é historiadora e integra o Fórum de Mulheres de Pernambuco. Danielen Fernandes Brandão é psicóloga e integra o Fórum de Mulheres do Espírito Santo. Ambas com trajetórias de atuação no enfrentamento à violência contra as mulheres e meninas.



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