Este website utiliza cookies
Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência, otimizar as funcionalidades do site e obter estatísticas de visita. Saiba mais
SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO
(81) 3131.6350 - sindsep@sindsep-pe.com.br
Publicado: 23/05/2017
Por Wilson Ferreira
Do Jornal GGN
A corrida de celebridades como Luciano Huck para apagar fotos nas redes sociais com o, agora, radioativo senador Aécio Neves, é a face mais visível de um novo fenômeno: o surgimento de uma classe média midiatizada. Jornalistas, artistas, celebridades esportivas, entre outros da fauna midiática, que, por respirarem e viverem em uma bolha que os isola das ameaças do deserto do real, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras com personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder.
Como sintoma “tautista” (tautologia + autismo) desses ambientes midiatizados, confundem câmeras, teleprompter e claque de aplausos em auditório com a própria realidade, chegando alguns a acreditar que de fato ocupam “espaços de poder”. Casamentos com políticos e empresários além de manter amizades com centros de poder corporativos e governamentais fazem muitos jornalistas acreditar que também pertencem à classe dominante, criando um tipo de jornalismo e entretenimento marcado por relações promíscuas e conflitos de interesses.
Lá pelos idos de setembro de 1999, em artigo no jornal Folha de São Paulo intitulado "Ninguém ousa namorar as deusas do sexo", o ex-cineasta e jornalista Arnaldo Jabor qualificava o apresentador Luciano Huck como um “fazendeiro de bundas”.
Na época, Huck era a estrela do programa H da Band, depois de uma trajetória como estagiário em agências de publicidade, revista Playboy, colunas sociais e sócio de casa noturna na praia de Maresias/SP. O Programa H costumava revelar beldades como a “Feiticeira” e a “Tiazinha” que, para Jabor, eram produtos de uma “revolução da vulgaridade regada a funk e pagode”
Dezoito anos depois, o outrora “fazendeiro de bundas”, em recente entrevista para a mesma Folha, passou a se autonomear como representante de uma geração que está “pronta para ocupar espaços do poder” diante do “colapso do sistema político”. E em tom messiânico, declara-se com uma “missão conquistada pelo poder do microfone resultado de muito trabalho”.
Depois de jornalistas como Ivan Moré tentar criar uma espécie de Lava Jato moralizadora no esporte (o quadro “Jogo Limpo”) e jornalistas como Fátima Bernardes migrarem para programas de entretenimento, dessa vez é Huck que foi contaminado pela metástase do tautismo que impregnou os corredores, estúdios e redações da Globo.
Huck acredita que falar ao microfone, receber aplausos de uma claque em um auditório e ler o teleprompter é um contato real com o povo e o poder.
É o sintoma tautista de confundir o signo com a própria coisa (confundir a câmera com a própria realidade). Inebriado por esse ambiente midiático auto-referencial e fechado em si mesmo, Huck distribui indícios que possa se candidatar à presidência e se vangloria de ter amigos íntimos do poder como Fernando Henrique Cardoso (“a cabeça mais moderna do Brasil”) e o senador Aécio Neves (“tenho carinho por ele”).
Tautismo e a classe média midiatizada
Depois do escândalo das delações premiadas dos donos do frigorífico JBS, abalando o governo do desinterino Temer e levando junto Aécio Neves, Huck corre para as redes sociais e apaga suas fotos nas quais posava orgulhosamente ao lado do seu amigo senador – assim como também fizeram diversas estrelas midiáticas apoiadoras de primeira hora do impeachment como Ana Paula do vôlei, o jogador Neymar entre outras celebridades.
O que revela um fenômeno derivado do tautismo que agora parece demonstrar não ser só propriedade exclusiva da Globo: também contamina o próprio contínuo midiático como um todo. Esse fenômeno é o do surgimento de uma, por assim dizer, nova classe média midiatizada – jornalistas, artistas, celebridades esportivas et caterva que, por respirarem e viverem nessa atmosfera tautista que os blinda das ameaças do deserto do real lá de fora, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras entre mídia e personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder.
No futuro, esse fenômeno (que está muito além das tradicionais celebridades das colunas sociais) ainda será objeto de estudos acadêmicos da sociologia até a antropologia urbana. Mas, desde já, podemos perceber que o ponto de partida do fenômeno está na boa remuneração e no fascínio em constatarem o alcance na opinião pública das suas visões de mundo.
Imersos e intoxicados por essa atmosfera viciada, tornam-se veículos fáceis para aqueles que verdadeiramente detém o poder – o Capital, seja político, financeiro e dos meios de produção.
“Furo” e vazamentos
Por exemplo, o jornalista de O Globo, Lauro Jardim, após o suposto “furo” que virou o barco da República publicado em sua coluna, passou a ser entrevistado como fosse a estrela do jornalismo que poderá mudar o rumo da política – algo assim como Bob Woodward e Carl Bernstein que derrubaram o presidente Nixon com o escândalo Watergate no anos 1970 nos EUA.
Nesse ambiente tautista, editar vazamentos produzidos pelo Ministério Público e Polícia Federal tornou-se sinônimo de “furo” – ou como o jornalista Caco Barcelos chama de “jornalismo declaratório” no qual a “investigação” consiste em meramente republicar documentos vazados, sem o jornalista se interessar em ligar pontos ou checar a veracidade das informações.
De Luciano Huck a Lauro Jardim, todos são membros dessa nova classe média midiatizada. Pensam ter o poder, mas são apenas assalariados altamente remunerados por aqueles que detêm o monopólio dos meios de produção e distribuição. O verdadeiro poder, o Capital.
Os altíssimos ganhos (sejam simbólicos ou financeiros) e o engrandecimento do próprio ego levam a criar esse novo estamento mediador entre o Capital e a opinião pública.
Cães perdidos
No livro A Saga dos Cães Perdidos, o pesquisador e professor da ECA/USP Ciro Marcondes Filho traça a história de como o Jornalismo perdeu o seu faro e se perdeu. Ele aponta dois fatores: o primeiro, de ordem tecnológica, a prática da profissão “sentada”, em estúdios e redações na qual o trabalho passa a ser de meramente editar e repassar informações (releases, vazamentos ou notas) diante de terminais nas estações de trabalho.