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Da ‘crise’ à frente popular


Publicado: 03/06/2015

Publicado na Carta Capital
Por Roberto Amaral*


Lamentavelmente, ‘a crise’ é tema recorrente em qualquer análise da conjuntura brasileira: crise econômica e crise política (que se auto-alimentam como vasos comunicantes) e os desdobramentos de ambas, desde a anemia do PIB (e as ameaças dela decorrentes) às óbvias dificuldades da governança, uma das muitas consequência da crise dos partidos, que dilacera a base governista, e inviabiliza as políticas de Estado. A infidelidade parlamentar fragiliza o governo que, sem partidos nas ruas, recua, e sobre os espaços deixados vazios avança um Congresso majoritariamente conservador,comandado de forma autocrática e em dissonância com a vontade nacional, apurada nas eleições de 2014.

Como se o parlamentarismo fosse nosso regime, o Congresso intenta governar contra o Executivo e prossegue na faina de reescrever os avanços decorrentes da Constituição de 1988, revogando-os. É vindita dos que perderam as eleições presidenciais e felonia do PMDB que chega a obscurecer o oposicionismo do PSDB.

A crise política – é dela que trataremos, uma vez mais – tem seu núcleo na crise da representação, na falência do presidencialismo de coalizão e na já referida crise dos partidos (não cabe aqui a discussão sobre o que é e o que não é partido político), sem os quais, todavia, é impensável uma democracia representativa. E eis a crise maior, que o Congresso aprofunda a cada dia.

O fato objetivo é que, carente de legitimidade, o mandato eleitoral, em todas as instâncias, representa pouco e cada vez menos a vontade do eleitor. Essa, é distorcida pelo poder politico, pelo poder dos meios de comunicação, pelo poder econômico interferindo desbragadamente na vida partidária e no processo eleitoral. Daí a dedicação com que a dupla Cunha-Renan se aplica na defesa do financiamento empresarial de partidos, candidatos e eleições. A soberania popular tornou-se mero enunciado constitucional e na prática seu exercício não se efetiva. Os partidos romperam seus compromissos com as bases eleitorais e perderam a confiança da sociedade.
Daí o vazio, aproveitado por maioria de ocasião.

O Estado fragilizado não indica condições de resistência ao avanço da direita, que se manifesta principalmente na ação de um Congresso majoritariamente conservador, animado por uma oposição reacionária. Os partidos, a começar pelos que compõem a base de governo e dentre todos ressaltes a incompreensível retração do PT, não se mostram capazes de enfrentar politicamente a crise instalada. Ao contrário, servem-se dela para auferir dividendos. O principal aliado do governo (o PMDB) é também seu principal adversário, e os principais lideres da oposição são, efetivamente, os presidentes da Câmara e do Senado Federal.

Este quadro foi antecipado em condições dramáticas nas eleições de 2014, quando ficou evidente a emergência das forças de direita. A consciência de que o combate à então candidata Dilma Rousseff e ao seu governo era a cunha para a revisão, em andamento, das conquistas sociais alcançadas nos últimos 12 anos – e que atingiria as camadas populares e os trabalhadores – foi decisiva para a mobilização de segmentos da sociedade, que garantiram a vitória da esquerda no segundo turno. Mas as vozes do atraso voltaram e hoje acuam o governo, no Congresso e mesmo dentro do governo.

É chegado o momento de reaglutinar os cidadãos em defesa não só da governabilidade, mas, fundamentalmente, dos avanços econômicos e sociais das últimas décadas. Avançar para deter o atraso.

A história nos impõe a retomada da política de frente.

O Brasil precisa enfrentar essa ascensão conservadora e promover reformas políticas profundas, que nossos governos não tiveram forças para sequer intentar, e por isso o Estado de hoje é o mesmo de 2002 e a coalizão das forças dominantes permanece adversa, e ainda mais conservadora.

O País precisa voltar a pensar e formular.

Mas é igualmente imperativo assegurar, nas ruas e no plano político e institucional, a governabilidade nesse segundo mandato de Dilma Rousseff.

A análise da crise enseja uma alternativa. A forças populares, no Brasil e no mundo, têm a tradição dos movimentos de frente política. Foi uma frente popular, integrada por trabalhadores, estudantes, intelectuais e militares, que fez no Brasil a vitoriosa luta pelo ‘petróleo é nosso’. Foi uma frente democrática, unindo esquerda e liberais, que derrubou o 'Estado Novo'. Foi a frente política de todos os adversários da ditadura que nos legou a redemocratização.

A Frente será movimento de caráter nacional e popular. Político, mas não partidário, que volta suas vistas para um horizonte largo que caminha para além do processo eleitoral, aberto a todos os brasileiros, partidos e sindicatos, estudantes e trabalhadores, empresários, intelectuais e pensadores, liberais e democratas progressistas.

Não basta, entretanto, que essa Frente, ainda uma ideia, uma mera mas consequente proposta, defina seus fundamentos, compromissos e objetivos se não for uma organização que parta das legítimas e estratégicas conquistas do povo brasileiro – os direitos do trabalhadores e assalariados, o patrimônio nacional, os direitos à educação e à saúde públicas e, sobretudo, à democracia – para estabelecer sua agenda e sua mobilização junto à sociedade brasileira. Assim, a Frente define sua luta:

1.
pela democracia e seu aprofundamento, no seu significado mais amplo, através da participação popular em assuntos de interesse da cidadania; essa luta compreende uma reforma política que aprofunde a legitimidade do processo eleitoral, livrando-o do abuso tanto do poder político quanto do poder econômico, e compreende a democratização dos meios de comunicação, assegurando a liberdade de expressão, impedindo o monopólio ideológico e o oligopólio empresarial;

2. pela defesa da soberania nacional como fundamento, para que se possa assegurar as riquezas potenciais do país, e, dessa forma, superar as iniquidades sociais e econômicas estruturais e resilientes no Pais;

3. pelo fim de todas as desigualdades e discriminações;

4. pela defesa e aprofundamento dos direitos dos trabalhadores e assalariados de um modo geral, promovendo a universalização do ensino público de qualidade e da prestação dos serviços de saúde; e, corolário,

5. pela retomada do desenvolvimento sustentável e com distribuição de renda.

Caberá à Frente defender e sustentar uma política externa independente, ressaltando a integração regional e inserção soberana do Brasil no mundo, tanto no campo geopolítico quanto geoeconômico, de modo independente e sem subordinação aos interesses estratégicos hegemônicos.

Considero importante esse passo adiante em grave momento da vida nacional, posto estarmos diante de um quadro de desafios e de riscos às nossas conquistas históricas. Considero que essas conquistas são sim razões para a mobilização da sociedade e que das ruas, seu elemento natural, virão demonstrações de que o povo sabe quem são os seus verdadeiros representantes.

Superada essa dura conjuntura, colocar-se-á para essa Frente, nos horizontes de médio e longo prazos, a condição de uma força política crucial para o progresso do Brasil e para o bem estar dos brasileiros.

*Roberto Amaral é cientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente do PSB. Autor de Socialismo, morte e ressurreição (ed. Vozes)






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