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Agenda e modus operandi do governo Bolsonaro


Publicado: 28/01/2019

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Antônio Augusto de Queiroz

Saber o que pensa e conhecer o modus operandi são 2 condições fundamentais para se relacionar com qualquer governo, tanto de modo propositivo, quanto de maneira reativa. Com o governo Bolsonaro não será diferente. Se a sociedade civil e os cidadãos não entenderem essas 2 dimensões, as chances de êxito em eventuais disputas com o governo serão praticamente nulas.

Sobre o pensamento do governo Bolsonaro, parece não haver dúvida de que se trata de um governo:

1) de direita, do ponto de vista político;

2) liberal, do ponto de vista econômico;

3) fiscalista, do ponto de vista da gestão;

4) conservador quanto aos costumes, valores e comportamentos; e

5) temerário em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente.

Quanto à estruturação em núcleos de poder, parece evidente que se trata de um governo que foi organizado para falar para 3 públicos segmentados:

1) os eleitores fundamentalistas do capitão;

2) os setores de “classe média” moralistas-justiceira; e

3) o mercado. Ninguém, entretanto, fala para o povo, especialmente aquela parcela da população que depende das políticas e dos serviços públicos, ou para os trabalhadores ou as minorias.

Quem melhor sistematizou os supostos núcleos estratégicos do governo Bolsonaro foi o professor da FGV e presidente do Instituto Luís Gama, Silvio Almeida. Em artigo publicado recentemente sob o título “Sobre política, distração e destruição”, ele definiu e sistematizou 3 núcleos:

1) o ideológico-diversionista,

2) o policial-jurídico-militar, e

3) o econômico.

O primeiro — ideológico-diversionista — serviria, na lógica do artigo do professor Silva Almeida, apenas para manter a moral da “tropa” ou dos bolsonaristas em alta, dando-lhes representatividade e acomodação psicológica ao ideário conservador que sustentou a campanha eleitoral.

Seriam os agitadores que serviriam para “fidelizar” os seguidores do bolsonarismo e, segundo o professor, também para “desviar a atenção”, além de “causar indignação e tristeza” entre os “progressistas”, enquanto os núcleos 2, e, principalmente, o 3, colocam em prática suas agendas.

Esse grupo faz, em nome do presidente, o que, nos EUA, Donald Trump faz pessoalmente, como tática de persuasão, e que Scott Admas, em “Win Biggly: in a World Whee Facts Don’t Matter” [1] classifica com “dissonância cognitiva”: lança ideias ou declarações polêmicas, tenham ou não conexão com realidade, para atrair o interesse da mídia e tirar o foco dos problemas que realmente importam para o País, pautando a imprensa, os intelectuais e até mesmo a oposição. Quando o tema perde importância, outra polêmica é criada em seu lugar, e assim permanece em evidência, mesmo que as suas “propostas” não levem a lugar algum.

O 2º núcleo — policial-jurídico-militar — é composto de profissionais altamente qualificados, que sabem operar o Direito e a máquina repressiva. Como alerta Silvio Almeida, não existe “arminha de dedo”. A arma é de verdade mesmo. O jogo é bruto. Vai de cadeia à destruição física e moral dos adversários.

Seu objetivo, na lógica do artigo do professor Silvio Almeida, é dar sustentação aos outros 2 núcleos, de um lado, dando corpo às alucinações do núcleo ideológico — do qual faz parte o próprio presidente, que vê “inimigos da pátria”, ideologia de gênero e “comunistas” em tudo quanto é lugar — por meio de mudanças legais, de abertura de processos civil e penal, além de perseguição e repressão aos críticos mais exaltados, e, de outro, utilizando os instrumentos jurídicos, fiscalizatórios e intimidatórios do Estado para acuar e amedrontar os opositores mais aguerridos da agenda neoliberal.

O 3º núcleo — econômico — formado por neoliberais convictos, tem como objetivo colocar em prática, em sua plenitude, a agenda do mercado, a verdadeira “Ponte para o futuro”, que Michel Temer não teve tempo nem legitimidade para executar totalmente. Essa agenda consiste na:

1) desindexação geral da economia;

2) desvinculação orçamentária;

3) privatização selvagem;

4) abertura da economia;

5) desregulamentação do trabalho, com a “livre” negociação; e

6) restrição para acesso a benefício previdenciário, inclusive com aumento da idade mínima, aumento do tempo de contribuição e redução do valor do benefício.

O núcleo econômico, além de preparado e pragmático, tem convicções profundas, beirando o fundamentalismo, tanto da necessidade de um ajuste fiscal pelo lado da despesa, com redução do papel do Estado na exploração da atividade econômica, na prestação de serviços e no fornecimento de bens e programas sociais, quanto da urgência da alienação do patrimônio público e da abertura da economia ao capital estrangeiro, sempre sob o pretexto de que o enxugamento do Estado é condição indispensável para atrair investimento e gerar emprego e renda.

Com esse “modus operandi”, o governo — caso as forças prejudicadas pelos excessos e pela ausência de calibragem do governo em suas políticas não ajam com unidade e inteligência estratégica — conseguiria atingir seu objetivo, atraindo os “progressistas” contrários à pauta de comportamentos, costumes e valores para o embate ou a disputa com o núcleo ideológico-diversionista, enquanto o núcleo econômico tocaria a agenda real de desmonte, com a consequente transferência para o mercado dos poderes e do orçamento do Estado, sob o fundamento de valorização da livre iniciativa, da competitividade e, principalmente, da lucratividade.

Como diz o ditado árabe, enquanto os cães ladram, a caravana passa. Assim, sem muita dificuldade, a “cortina de fumaça” do debate sobre “costumes” e declarações polêmicas permite que os verdadeiros interesses da sociedade, aqueles que pesam na mesa e no bolso do trabalhador, do aposentado, da pensionista, dos desempregados, sejam sacrificados no altar do verdadeiro Deus do governo Bolsonaro: o mercado.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado de Documentação do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.



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